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Leia Mulheres

Apesar de maioria do público leitor, autoras têm menor presença no mercado editorial

Mulheres têm menor presença e visibilidade no mercado editorial, um cenário que grupos de leitura feministas lutam para mudar

Por Isabella Holouka

08 de março de 2021, às 07h33 • Última atualização em 08 de março de 2021, às 09h17

Fundada em 1897, a Academia Brasileira de Letras não aceitava mulheres entre os autores considerados imortais, até a entrada de Rachel de Queiroz, em 1977.

Mesmo sendo uma das idealizadoras da Academia, presente em reuniões e autora de obras relevantes, como o romance “A Falência” (1901), a carioca Julia Lopes de Almeida não teve este reconhecimento – ao contrário do marido, o poeta português Filinto de Almeida, que ocupou a cadeira da esposa e chegou a ser chamado de “acadêmico consorte”.

Outra autora brasileira, que assim como Julia sofreu com o apagamento através da história, é Maria Firmina dos Reis. A maranhense, autora de “Úrsula” (1859), é considerada a primeira romancista brasileira precursora da temática abolicionista, anterior, por exemplo, à poesia de Castro Alves – cujo épico “Navio Negreiro” foi publicado em 1880.

Busto de Maria Firmina na Praça do Pantheon, em São Luís, Maranhão – Foto: Wikimedia Commons

Os esforços para resgatar as obras e o valor de escritoras como Julia e Maria passam por grupos de leitura feministas, como é o caso da iniciativa global “Read Women”, que tem ganhado espaço em diferentes centros urbanos brasileiros com a bandeira “Leia Mulheres”.

Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, pouco mais da metade dos brasileiros têm hábitos de leitura, 52% ou 100,1 milhões de pessoas. Na comparação entre os gêneros, as mulheres leem mais livros (54%), livros de literatura (56%) e livros de literatura em outros formatos (52%).

O levantamento é promovido pelo Instituto Pró-Livro, em parceria com o Itaú Cultural, com aplicação do Ibope Inteligência. Foram entrevistadas 8.076 pessoas a partir de 5 anos, de todas as classes sociais e níveis de escolaridade, em 208 municípios brasileiros. O período de coleta das informações foi de outubro de 2019 a janeiro de 2020.

Apesar de as mulheres serem maioria no público leitor brasileiro, a pesquisa aponta para o fato de que as autoras de sexo feminino são minoria no mercado editorial.

Dentre os 37 livros mais citados como último livro lido, apenas 10 foram escritos inteiramente por mulheres. Quando a pergunta foi sobre o autor do último livro lido, dentre os 18 mais citados, apenas 4 são mulheres. E dentre os autores mais queridos e conhecidos, dos 15 mais citados, apenas 5 são mulheres. A autora brasileira Zíbia Gasparetto e a inglesa J.K. Rolling são as únicas que aparecem nos três rankings.

Da esquerda para direita: Juliana Leuenroth, Juliana Gomes e Michelle Henriques, criadoras do movimento Leia Mulheres no Brasil – Foto: Divulgação

“Percebemos uma dificuldade maior de as mulheres se inserirem neste mercado como autoras”, argumenta Juliana Leuenroth, assistente de marketing de 36 anos e uma das coordenadoras do movimento Leia Mulheres no Brasil.

“Quando seus livros finalmente conseguem ser publicados, as mulheres são menos divulgadas, menos criticadas pela crítica literária, menos premiadas, menos reconhecidas”, diz.

Juliana afirma que ocorreram mudanças nos últimos anos, mas elas ainda vem tomando forma, de maneira lenta e gradual.

“Quantas vozes foram silenciadas ao longo do tempo? Com o ‘Leia Mulheres’ percebemos a importância de ouvir diferentes vozes. Quando lemos um determinado grupo de autores só temos acesso a um tipo de narrativa, um ponto de vista, uma visão de mundo. A partir do momento em que variamos as leituras, temos acesso a outras realidades, o que é muito interessante para todo mundo”, afirma.

Leia Mulheres

O movimento Read Women teve início em 2014 com a escritora inglesa Joanna Walsh. Sentindo que o mercado editorial era muito restrito e que as mulheres tinham pouca visibilidade, ela lançou a campanha que consistia, basicamente, em ler mais livros escritos por mulheres.

A ideia foi importada por Juliana Leuenroth, Juliana Gomes e Michelle Henriques, que iniciaram o clube de leitura feminino com atividades presenciais em livrarias e espaços culturais na capital paulista, divulgando o movimento também pelo Facebook e Instagram – onde uma quantidade expressiva de seguidoras se encontram.

A vontade de incentivar a leitura de autoras do sexo feminino se espalhou por todo o Brasil. Hoje todos os estados possuem pelo menos um clube ‘Leia Mulheres’, sendo que atualmente a maioria realiza atividades online, devido à pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

Não são aulas, nem palestras. A ideia é que as participantes (a maioria é do sexo feminino, com algumas raras exceções) tenham liberdade para conversar sobre as obras. Além disso, é incentivada uma leitura mais diversa possível, indo desde os livros teóricos, aos romances e de poesia, com preferência para obras disponíveis e de fácil acesso, dependendo de cada região.

Na RPT (Região do Polo Têxtil) a bandeira “Leia Mulheres” foi levantada pelas psicólogas Renata Diane Gonçalves, de 24 anos, e Juliana Praxedes, de 31. De Nova Odessa e Santa Bárbara, respectivamente, elas acompanhavam as páginas relacionadas ao movimento pelas redes sociais e entraram em contato com as coordenadoras para iniciar um clube de leitura em Americana, em 2018.

De lá para cá, os encontros mensais renderam leitura e bate-papo sobre pelo menos 15 obras de diferentes gêneros literários, reunindo uma média de 5 a 10 pessoas nos encontros, dependendo do livro escolhido, sendo que os teóricos costumam atrair mais leitoras para a discussão.

Renata e Juliana, coordenadores do projeto Leia Mulheres em Americana – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

“Não discutimos apenas a história em si, o que lemos, mas trazemos uma reflexão sobre a nossa vida, sobre o cotidiano”, conta Juliana.

“Não são todas as cidades que têm grupos de leitura formados, somente de mulheres ou não. O feedback é positivo sobre a oportunidade de ler livros que elas não pensariam em ler, e com o grupo elas têm motivação. Tentamos trazer escritoras um pouco mais desconhecidas, digamos assim, para estimular a leitura dos livros delas”, diz.

Elas que Leiam

Incentivar a leitura como um momento de prazer e autocuidado é a proposta do clube de assinaturas “Elas Box”, que nasceu do projeto no Instagram “Elas que Leiam”, iniciativa da relações públicas de 32 anos, Nina Camargo, brasileira morando em Dublin, na Irlanda, juntamente com a empresária Maria Julia Paiva, de 33 anos.

“Em 2020 sabemos que a procura por livros cresceu 10% e neste mesmo ano o empreendedorismo feminino cresceu 40%, mas quando olhamos para as obras que são publicadas pelas editoras globalmente, em torno de 72% são escritas por homens”, argumenta Nina.

Todos os meses as assinantes da caixinha recebem um livro de autora do sexo feminino, além de mimos produzidos por mulheres empreendedoras, como um chá, um café, um escalda pés. Em apenas três meses, o projeto, que tem sede em São Paulo, já reúne mais de 200 assinantes no Brasil.

“As assinantes se identificam com a causa de abraçar o investimento no empreendedorismo feminino brasileiro, de abraçar a causa de mexer o ponteiro do mercado editorial. Então, há uma roda de sororidade e de ajuda para que o projeto possa ter um propósito”, conclui.

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