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Sobrevivência

Como as pequenas livrarias estão conseguindo driblar a crise

Por Agência Estado

04 de agosto de 2019, às 10h00 • Última atualização em 27 de abril de 2020, às 11h11

A mensagem enviada no grupo do WhatsApp dos moradores dos Jardins começava assim: “Garoto descolado convenceu meu filho a ler um livro”. O jornalista Lucas Alves, 28, não estava no grupo e descobriu que era o tal garoto descolado quando as pessoas começaram a chegar curiosas na banca-livraria que ele tinha acabado de abrir com o primo Thiago, publicitário de 38 anos, na Alameda Franca quase esquina com a Augusta. Ele de fato convenceu um adolescente que não gostava de ler a comprar o livro que ele mesmo estava lendo. Hoje o menino volta pelas HQs. Um começo.

Lucas e Thiago queriam abrir uma livraria e a banca surgiu por acaso. Juntaram as economias, reformaram o espaço e três meses atrás inauguraram a Combo Café & Cultura. Transformar uma banca de jornal em livraria não é uma coisa exatamente nova. A Banca Tatuí é de 2014. A Curva, de 2018. A diferença é que enquanto as duas vendem publicações independentes, a dos primos vende literatura geral – livros novos e lidos, como Lucas prefere chamar os usados.

A dupla começa este negócio num dos piores momentos da história do mercado editorial, e não está sozinha. Outras iniciativas se somam ao esforço de livreiros que estão na luta há 10, 20 anos pela sobrevivência e relevância das livrarias.

A reinvenção da livraria

O cenário ainda é desolador. Pelas contas da Associação Nacional de Livrarias (ANL), o Brasil perdeu 20% de suas livrarias nos últimos quatro anos. Pelas da Fipe, as que restaram perderam 20% do faturamento só em 2018. Fora isso, não se sabe o que vai acontecer com a Cultura, em recuperação judicial, e com a Saraiva, que espera aprovar seu plano de recuperação esta semana.

Mas alguma coisa boa está acontecendo – e não apenas, por exemplo, para carioca Livraria da Travessa, que acaba de abrir uma loja em Lisboa e inaugura a da Rua dos Pinheiros na sexta, 9; para a Martins Fontes Paulista e Livraria da Vila, sempre cheias; ou para a mineira Leitura, que em breve vai se tornar a maior rede do País. No auge da crise, enquanto as grandes redes viam seu modelo de megastore com produtos que iam além do livro ser colocado em xeque e as pequenas se equilibravam na corda bamba, uma nova geração de empreendedores juntou suas economias (ou só os livros da estante) para abrir seu próprio negócio, transformou seus sebos virtuais em charmosas lojas de rua ou velhas bancas de jornal em enxutas livrarias.

“Junto com a crise surgem as novas ideias. Apresentamos algo diferente ao cliente que vem aqui, que ainda compra da Amazon, mas escolhe um livro nosso porque acredita no projeto, e representamos uma tentativa de superar a crise”, diz Lucas Alves, idealizador da Combo Café & Cultura. São três meses de operação, e ele garante que seu negócio é saudável.

“Livro vende, sim; só precisa saber vender, saber escolher e tratar bem o cliente”, afirma. O começo da banca foi com o livros da estante dos dois sócios. As editoras, especialmente as menores, foram chegando e consignando seus títulos, o que foi de grande ajuda. Ali, há o que eles chamam de “livros de sempre” – cerca de 2 mil – e um bom café inspirado em Virginia Woolf, Kafka e James Joyce.

“Estamos na luta por um mercado saudável”, diz o jornalista. Para ele, o modelo que deve prevalecer é o da livraria com curadoria. “Não duvido que apareçam bancas especializadas em literatura russa ou ficção científica, por exemplo.”

Um dos incentivadores de Lucas foi Alex Januário, dono da Loplop. “Incentivei e continuo incentivando. Não só a Combo, mas todas. Quanto mais livrarias melhor”, diz o livreiro que depois de 15 anos vendendo seus títulos, muitos dos quais raros, autografados e esgotados, na internet, decidiu abrir uma livraria física numa sobreloja da Alfonso Bovero, em Perdizes. Isso, em 2016.

“A Loplop nasceu numa contracorrente por não compreender o livro apenas como um produto. Naquele momento de 2016 considerei propício agregar outros valores culturais e intelectuais e diálogos à livraria além do comércio”, comenta Alex. Ele procura fazer um atendimento mais próximo do cliente e organiza eventos literários e musicais. Seu acervo conta com 17 mil títulos (11 mil na loja física) nas áreas de humanas e artes em geral. Há desafios, ele diz, mas tudo tem saído conforme planejado e a conta fecha no fim do mês.

Também em 2016, Adalberto Ribeiro, hoje com 38, e Felipe Roth Faya, 31, abriram a Livraria Simples, então virtual com estoque na casa de Beto – que começou a trabalhar em livraria aos 17 e tinha saído da Cultura no ano anterior à abertura da Simples. Ela ainda vende em marketplaces (Amazon, Estante Virtual e Mercado Livre), como a Combo (Estante Virtual). Mas em maio de 2018, num Fusca 72, os sócios começaram a mudança dos 15 mil livros da Mooca para a simpática casa da Bela Vista, na Rua Rocha. Hoje as coisas estão mais confortáveis, e a equipe, toda da área de humanas, foi estudar gestão e outros aspectos técnicos.

“A crise não bateu aqui porque a porta estava aberta”, diz o livreiro. “E com a crise dos dois grandes players as editoras ficaram mais abertas a novas possibilidades.” Se em 2016 quase nenhuma queria consignar seus livros para a Simples, hoje são poucas as que resistem ou recusam. E se o fazem, ok, ele diz. Há outras.

“Esses jovens e as pessoas de outras áreas que estão vendo a crise como oportunidade para entrar nesse mercado não carregam a mochila que nós que estamos no negócio há muitos anos carregamos. Esse ar fresco é necessário para o sistema”, diz Bernardo Gurbanov, presidente da ANL.

A mochila pesa mesmo, e algumas rasteiras deixaram marcas nas pequenas livrarias e papelarias: escola vendendo livro e itens de papelaria direto para o aluno, editora vendendo direto para o leitor e oferecendo margens maiores para os grandes players, que adotaram uma política agressiva de desconto que os pequenos concorrentes não puderam acompanhar.

Apesar disso, livrarias como a do Espaço (Itaú de Cinema; 1993), com obras gerais e sobre cinema, a Companhia Ilimitada (1997), na zona norte, e a NoveSete (2007), na Vila Mariana, ambas especializadas em literatura infantil e juvenil, estão aí, tocando o barco, com seus altos e baixos e a mesma crença desde o início: que uma livraria se faz com um acervo de qualidade. A do Espaço, conta Ronaldo Rangel, tem visto suas vendas melhorarem de um ano para cá. Malu e Douglas Souto, da Companhia Ilimitada, já não pensam mais em fechar. E Gislene Gambini, da NoveSete, segue com seus eventos, apesar da falta de apoio das editoras, e acreditando que as livrarias independentes deveriam estar mais próximas e pensar em formar coletivos como já ocorre com algumas editoras.

Há outras livrarias de bairro tradicionais que estão conseguindo sobreviver e novos modelos que estão se destacando. E há uma nova esperança para as livrarias papelarias, como a Segurança (1974), de Perdizes, que, sem os didáticos, saíram do jogo. Esta semana será apresentado um modelo conceito na Feira Escolar. Tudo isso sem perder de vista o encontro do leitor com o livro e seu encantamento.

É o que Luciana Oliveira tem tentado fazer com as filhas. Cliente da Companhia Ilimitada há 9 anos, ela apresenta a livraria agora para a Anabela, de 3. “A livraria tem vida, nos dá um novo repertório. Prefiro comprar aqui do que na internet para fomentar o comércio do bairro”, diz.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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