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Cultura

Coleção ficcionaliza as biografias dos césares

Por Agência Estado

12 de setembro de 2021, às 08h00 • Última atualização em 12 de setembro de 2021, às 09h37

Poucos períodos históricos são tão fascinantes quanto o auge do Império Romano, especialmente por sua combinação de antiguidade e detalhe nos registros históricos. Apesar dos muitos séculos que nos separam de Júlio César, Nero, Calígula e Augusto, estes personagens não soam como mitos evanescentes, e sim como seres humanos complexos de carne e osso, graças ao advento da palavra escrita, que os preservou em suas nuances até os dias de hoje.

Pois são esses homens ao mesmo tempo próximos e distantes que o historiador e ficcionista Allan Massie tenta retratar em seis romances históricos que chegam ao Brasil pela Faro Editorial. Os dois que chegaram primeiro às livrarias, Augusto e Marco Antônio e Cleópatra, são bons exemplares de como a literatura pode alargar a imersão histórica: ao pincelar fatos com as impressões subjetivas de seus personagens reais e ficcionais, Massie nos transporta para o tempo dos imperadores, em que as intrigas políticas podiam significar a ascensão ao poder absoluto ou a condenação à morte.

Ambos os romances têm como foco o período imediatamente posterior à derrocada de Júlio César e o interregno que se deu entre sua tirania e o início do Império, com o governo de Augusto. Alguns dos episódios se sobrepõem entre os romances, mas é interessante notar como as mudanças de ponto de vista e foco narrativo transformam esses acontecimentos, fazendo com que um livro complemente o outro.

Somam- se a essas duas obras os demais livros da coleção, focados nas figuras de César, Tibério, Calígula e Nero.

Abaixo, leia a entrevista que Allan Massie concedeu ao Estadão por e-mail:

O que a vida dos líderes romanos pode nos ensinar?

Talvez não mais que as vidas de figuras históricas subsequentes e de políticos atuais. Pode-se ver a dificuldade de manter um senso de proporção. Júlio César perdeu isso, e tornou evidente, alarmante e odiosa sua autoimagem de superioridade. Augusto, apesar de ter eventualmente exercido mais poder sobre Roma e o Império do que César jamais exerceu, disfarçou sua supremacia com uma cortina republicana, declarando que, embora não tivesse mais poder que seus colegas, ele os sobrepujava em autoridade. Considerando políticos e líderes nacionais contemporâneos, isso pode ser útil para distinguir entre poder e autoridade – quando o poder é democraticamente embasado ou não.

Suponho que o sr. tenha sido obrigado a fazer concessões enquanto historiador para compor diálogos vívidos e incrementar a tensão dramática. Como traçou a linha entre fato e ficção?

Eu respeito o panorama histórico e os fatos até onde nós podemos nos assegurar deles – ainda que, por ignorância ou descuido, haja alguns poucos equívocos históricos. Contudo, ao empregar um narrador em primeira pessoa em todos esses romances, eu me comprometi de início a imaginar o que a história não registra. Obviamente quase todos os diálogos e a maior parte das reflexões dos narradores são imaginadas ou inventadas, ainda que inspiradas quando possível em documentos e no trabalho de historiadores romanos, principalmente Suetônio e Tácito. Ambos tinham evidências documentais agora perdidas, mas ambos escreveram uma ou duas gerações depois dos eventos que descrevem, e a obra de Tácito foi distorcida por seu viés republicano. Selecionei o que me ajudaria em seus trabalhos. É sabido que Augusto escreveu uma autobiografia, agora perdida, e Tibério pode ter escrito suas memórias. Pode-se tomar emprestado de suas cartas e transcrições de suas conversas. Resumindo, eventos públicos são retratados o mais acurados historicamente possível: diálogos, pensamentos, etc. são ficcionais, mas coerentes com meus narradores e outros personagens. Então, por exemplo, a reunião de Marco Antônio, Augusto e Lépido em uma ilha do Rio Pó onde eles definiram as listas de proscritos é apresentada em ambos os romances, mas a interpretação e até o diálogo relembrado são diferentes, dependendo do narrador.

Algumas das intrigas em seus livros me lembram do cenário político contemporâneo do Brasil e de outros países. Como a política romana nos ajuda a compreender a natureza do poder?

Política em qualquer época é uma questão de poder e autoridade; é a aceitação da autoridade que legitima o poder. Não havia uma Constituição romana escrita, e isso, entre outras coisas, significava que não havia regulamento para a transferência de poder uma vez que a República havia se tornado Império, no qual o poder estava enraizado nos Exércitos e, portanto, na força. Augusto criou uma forma de Império em que, a despeito de um grave colapso no ano 69 d.C., funcionou efetivamente por 200 anos; um grau notável de estabilidade. Mas, ainda assim, um imperador só podia estar seguro controlando o Exército.

Quais são as principais lacunas no nosso conhecimento atual sobre o Império Romano e como você as encara em seus romances?

Nós sabemos muito mais sobre o Império Romano do que sobre a maioria dos períodos da história antiga, mas muito menos do que sobre a história moderna, de 1500 em diante, digamos. Isso o torna especialmente atrativo para o romancista. Há fatos suficientes para ancorar sua narrativa, bastante coisa que não sabemos para dar liberdade de imaginar e inventar. Eu não finjo que meus romances são livros de história, mas eles são enraizados na história real, em um fascinante período histórico a respeito do qual sabemos o bastante para o convite à especulação, e no qual há elementos desconhecidos o suficiente para permitir que a imaginação tenha liberdade.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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