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Cultura

Clint Eastwood em busca de salvação para seus heróis

Por Agência Estado

04 de janeiro de 2020, às 07h30 • Última atualização em 04 de janeiro de 2020, às 07h54

Clint Eastwood teve talvez as piores críticas de sua carreira pelo novo filme. Voltou aos tempos de Dirty Harry, quando o trabuco do herói, o Magnum 44 – substituto do pênis no jargão psicanalítico -, fazia dele o terror das feministas. Era o porco, o chauvinista. Foi uma longa trajetória para uma nova humanização. De chofre, a personagem da jornalista de O Caso Richard Jewell fez voltar o pesadelo. Na trama do filme, e tal como interpretada por Olivia Wilde, ela é amoral. Vale tudo pela reportagem, até dormir com a fonte, um agente pouco confiável do FBI, e assumir sua versão como verdadeira.

O jornal, os colegas, a categoria inteira veio numa fúria santa, exigindo retratação. Na ficção de Clint, a jornalista dá-se conta de que pisou na bola, foi usada. Não importa. Não existe mais liberdade ficcional, o que há hoje é uma ditadura do politicamente correto. Por isso, a frase de Margot Robbie, como a Arlequina, no trailer de Aves de Rapina, é tão libertadora, no que tem de agressiva. “Não chame uma mulher de garota. Chame de vaca, se preciso. Menina, não.”

O Caso Richard Jewell, outra história real, prossegue com uma investigação que Clint, como autor, vem fazendo já há algum tempo. Ele não confia nas instituições. Já não confiava desde o tempo de Dirty Harry, personagem que um de seus mentores, Don Siegel, criou com uma intenção e depois foi sendo desvirtuado – inclusive por Clint. O xerife de Os Imperdoáveis, que lhe valeu o Oscar, era uma aberração. J. Edgar Hoover, o poderoso chefão do FBI, tal como interpretado por Leonardo DiCaprio, com sua cara de bebê chorão envelhecido, era outra. O horror, o horror.

Não é de hoje que os heróis de Clint correm perigo. Sully, o herói do Rio Hudson, interpretado por Tom Hanks, passa de um dia para o outro à condição de vilão, um homem sob suspeita. Os personagens de Gran Torino e A Mula, interpretados pelo próprio Clint, são penalizados. Um se sacrifica e outro vai preso, mantendo sua integridade. Nesse quadro, Richard Jewell tem tudo a ver. Interpretado por Paul Walter Hauser, é simplório. Com preconceito, a jornalista o define como “aquele balofo que ainda mora com a mãe”. Richard quer ser importante, sonha com uma carreira de policial, mas o máximo que consegue é ser inspetor de disciplina numa escola – destituído por abuso de função – e auxiliar de segurança num parque de diversões.

É como esse último, no quadro de paranoia da Olimpíada de Atlanta, quando os EUA temiam ataques do terror, que o conservador patético vira herói ao suspeitar de uma mochila abandonada no parque superpovoado. O artefato explode, causa estragos, mas eles seriam muito maiores – as vítimas idem – não fosse Richard. O garoto de mamãe (Kathy Bates) chegou lá. Virou herói.

No dia seguinte, passa a suspeito do FBI. As reportagens o incriminam. Sam Rockwell, cada vez melhor ator – quem poderia imaginar que ele ficaria tão bom? -, o defende. Contra tudo e todos, contra ele mesmo, porque Richard, por sua natureza, é formatado para a derrota, para o sacrifício. Não com Clint. É um clássico. Um humanista. Sua repórter não presta, mas se redime. O advogado pega o caso porque, no fundo, não tem nada a perder. Clint anda cada vez mais desencantado com a América. Pena que a correção o esteja paralisando. Questões de gênero ficaram intocáveis. Viraram camisas de força.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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