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Cinema

Lília Cabral e as lições de Maria do Caritó

Por Agência Estado

29 de outubro de 2019, às 07h05 • Última atualização em 27 de abril de 2020, às 11h15

Lília Cabral conta que adorou fazer, durante cinco anos, a peça Maria do Caritó, de Newton Moreno. A história da virgem prometida, a solteirona que vive fazendo promessa ao santo para arranjar marido e poder sair da cidade onde o pai, mancomunado com um político corrupto e com o padre, a mantém virgenzinha da silva, com aquele fogaréu consumindo suas entranhas. Lília queria levar Maria para a tela dos cinemas, mas hesitava.

“Havia feito a peça O Divã e depois o filme (de José Alvarenga Jr.), mas tinha receio de que as pessoas dissessem: ‘Ih, lá ela. Faz a peça, depois o filme. Quer tirar o sumo do próprio sucesso’. Achava que poderia ser chato.” Moreno, que criou a personagem, brinca: “É conversa, ela estava louca para fazer o filme e eternizar a Maria, que é uma bela personagem. Para mim, foi ótimo, porque terminei coassinando (com José Carvalho) o roteiro”. A direção, vale acrescentar, é de João Paulo Jabur.

Lília conversa com o repórter num hotel da região da Paulista. Veio a São Paulo para promover o lançamento de Maria do Caritó, na quinta-feira. Outra dobradinha vitoriosa da Globo Filmes e da Paris Filmes. O Divã fez alguns milhões de espectadores, mas eram outros tempos, quando filmes brasileiros de comédia começavam a virar blockbusters. Agora, raros são os filmes e artistas que ultrapassam o milhão – Paulo Gustavo, Mônica Martelli. Mas Lília põe fé.

“Vou repetir o que disse quando fui vender o projeto numa reunião na Globo Filmes. A história é bonita, e o filme se inscreve numa tradição circense, nordestina, de obras como Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro. Possuem uma riqueza muito grande, evocam nossas mais caras tradições. E a Maria é perfeita nessa fase de afirmação das mulheres. Depois de muitas peripécias, Maria vai descobrir que não precisa de santo nem marido para ser se libertar. O que ela precisa é de coragem, e confiança.”

Aos 62 anos – nasceu em São Paulo, em 13 de julho de 1957 -, Lília segura bem uma personagem que, na ficção, é mais nova que ela (tem 50). Na vida, costuma ser assediada por cirurgiões plásticos e dermatos que querem dar uma melhoradinha em sua cara. “Talvez algum dia eu faça alguma coisa aqui (e puxa com os dedos a região dos olhos), mas tenho medo. Vejo tanta gente que fica com a cara diferente. Poxa, as pessoas me conhecem, sabem como é a minha cara, não quero, de repente, virar outra Lília e ser apontada: ‘Olha o que ela fez, a louca’. E não vejo nada demais em ser sessentona. Pode ser sorte, mas não tem me faltado bons papéis.”

Agora mesmo faz a mãe de Paulo/Emílio Dantas na minissérie em 12 capítulos de Jorge Furtado, Todas as Mulheres do Mundo, que homenageia Domingos Oliveira, que morreu em março. “O texto é uma delícia, o Jorge escreve superbem, a diretora (Patrícia Pedrosa) é muito talentosa e o meu ‘filho’, o Emílio, é um doce. Acho que o público vai gostar. Eu acho o máximo.”

Numa carreira marcada por grandes papéis e muitos sucessos, às vezes ocorrem fracassos inesperados. Lília não se furta a reavaliar a novela O Sétimo Guardião, de Aguinaldo Silva, que talvez tenha sido o maior fracasso recente na faixa das 9, da Globo. “A gente tinha uma expectativa muito grande porque o Aguinaldo é um autor de excelência reconhecida, a emissora reuniu um elenco super, parecia que tudo ia funcionar, mas o realismo fantástico não deu liga com o público. As tentativas de ajustes não deram certo e aí, meu amigo, degringolou… (e ela faz com a mão o gesto da ladeira abaixo).”

Lília, que fez e faz tantas mulheres fortes, gostou de fazer a vilã? “Ah, mas não era uma vilã de verdade. Era uma mulher que fazia maldades, que nem a avó de Páginas da Vida, lembra? Não tinha paciência com a neta, não gostava. É ruim, mas é humano. Dá para entender. Mas tenho vontade de fazer, sim, uma vilã, daquelas bem danadas. Deve ser divertido. Para variar, libertar-se de todas as amarras morais.”

Ao se lançar no projeto, Lília tinha bem clara uma coisa: “A gente não ia poder simplesmente passar a peça pela câmera. Você sabe, você viu no palco. Não é a mesma coisa. A Maria (do Caritó) está lá inteira, mas o filme tem muito mais. O Newton, o Zé (roteiristas) e o João (diretor) criaram outra coisa, um mundo mais rico e complexo – a cidadezinha, o circo. O circo, eu achei maravilhoso. Aquela ambientação, a pantomima. Fazer a palhaça foi divertido, porque aquilo que parece simples, na verdade, possui um ritmo, uma mecânica muito precisa. Não tem nada mais patético do que um palhaço que não faz rir. E a gente tinha a Juliana (Carneiro da Cunha, grande atriz de teatro e cinema), o que foi um privilégio.”

Mas, Lília, por que refazer a Maria no cinema? “Porque a gente está vivendo esse momento de afirmação das mulheres, e a peça e o filme são sobre isso. A Maria sonha, apanha da vida, decepciona-se, mas o importante é a descoberta que ela faz de que não é preciso depender de ninguém. O amor é lindo, é necessário para uma vida melhor, mas é preciso cultivar o amor próprio. Gostar da gente mesma. É um tema universal.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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