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Cinema

‘Judy’ retrata os últimos e solitários meses de vida da atriz Judy Garland

Por Agência Estado

27 de janeiro de 2020, às 07h30 • Última atualização em 27 de abril de 2020, às 11h14

A voz já falseava, a silhueta mignon sofria com uma dieta à base de pílulas, a solidão era um mal constante, mas o carisma continuava intacto: bastava assumir o palco que, mesmo embriagada e um tanto desorientada, Judy Garland hipnotizava o público com sua habitual performance visceral. “Judy era divertida e triste, talentosa e incompetente, rica e pobre, inteligente e ignorante, repleta de amor e desesperadamente não amada”, comenta o dramaturgo inglês Peter Quilter, cuja peça Judy Garland – O Fim do Arco Íris inspirou o filme Judy, que já tem sessões especiais no cinema – a estreia acontece dia 30.

Trata-se do relato dos últimos seis meses de vida da atriz e cantora, que morreu de overdose em 1969, quando não passava dos 47 anos. Naquele período, Judy se apresentou durante semanas na casa de shows Talk of the Town, em Londres, único lugar que ainda valorizava o talento da eterna Dorothy, personagem de O Mágico de Oz (1939), que a imortalizou. Mas não foi um momento tranquilo – longe dos filhos, iludida pelo quinto marido, ela vivia eternamente só. É essa mulher debilitada fisicamente e desiludida com a vida que Renée Zellweger interpreta com perfeição em Judy, uma caracterização que a tornou favorita ao Oscar de melhor atriz.

Se a peça se concentra nos últimos meses de sua vida, o filme relembra momentos decisivos, como o assédio que Judy sofreu de Louis B. Mayer, mega produtor que a lançou em 1935 e que, além de constantemente lhe apalpar o seio esquerdo (pois dali, do coração, brotava sua bela voz) e de impor uma dieta rigorosa (nem o bolo do próprio aniversário ela podia provar), ele também determinava o consumo de anfetaminas e barbitúricos, seja para dormir ou ficar acordada durante horas, a fim de suportar os longos períodos de filmagens. Isso tornou Judy viciada para o resto da vida. Apesar do sucesso e do reconhecimento, ela foi atormentada pelo baixo autoestima e pela eterna dor da solidão. Sobre o assunto, Quilter falou ao Estado

Judy Garland normalmente é associada à extrema tragédia ou ao extremo otimismo. Sua peça (e o filme) a mostram de uma maneira diferente, uma mulher complexa e multidimensional.

Sempre achei que uma das minhas mais importantes tarefas como dramaturgo era fazer com que as pessoas no palco se pareçam totalmente reais. Com frequência, nos oferecem falsas versões ou representações superficiais das pessoas. Judy foi um produto de Hollywood e assim nos era dito quem ela era. Uma starlet, uma lenda, uma tragédia. Mas as pessoas são muito mais complexas do que sua imagem na mídia. Na peça, quis mostrar cada parte dela. Divertida e triste, talentosa e incompetente, rica e pobre, inteligente e ignorante, repleta de amor e desesperadamente não amada. Quando um personagem é mostrado com todas essas contradições e complexidades, você acredita que é um ser humano real que está diante de você. É isso que esperamos dar ao público pela primeira vez. A sensação de que estão no quarto com Judy. Vê-la, conhecê-la, compreendê-la, respirar o mesmo ar.

A propósito, que tal o desempenho de Renée?

Vi o filme ainda no seu primeiro corte antes de qualquer outra pessoa e o desempenho dela é digno de um prêmio; incrivelmente poderoso. Ela não tentou personificar totalmente Judy Garland, mas capturar a sua essência, seu espírito. É muito comovente e dramático. Você esquece que está vendo Renée Zellweger. O que se vê na tela é Judy.

A forma de trabalhar de Louis B. Mayer é trágica, um exemplo de como o sistema de trabalho de Hollywood funcionava na década de 1930. Como Judy foi fabricada e destruída por esse sistema?

Era uma fábrica. Enquanto você continua a produzir as coisas boas que eles querem, tudo bem. Mas não têm nenhuma consideração pelo fato de que as pessoas são diferentes. Algumas sobrevivem às longas horas de trabalho, às demandas dos refletores, à pressão. Outras entram em colapso. E, quando não conseguem mais dar a eles o que desejam, 18 horas de trabalho por dia, eles as marginalizam. Além disso, no caso de Judy, ela ficou viciada em todos aqueles medicamentos que lhe deram e os problemas pioraram. Remédios para dormir, para despertar, para dançar, para se acalmar. O sistema de Hollywood não destruiu todo mundo. Mas destroçou Judy. Ela nunca escapou do seu passado.

O final do filme revela todo o talento de Judy, mas ela continua uma mulher só. Seria isso uma verdade?

Ela se casou com homens errados, todos eles. Alguns a usaram por sua fama e só queriam compartilhar os refletores. Outros eram mais gentis – mas eram gays, o que envolvia seus próprios dilemas. Ela nunca encontrou um amor verdadeiro, somente um desfile de homens inadequados. Na peça e no filme, ela está vivendo com seu novo namorado Mickey Deans (que foi seu último marido). Mickey era um jovem proprietário de uma boate. Ele não conseguiu lidar com a situação e, no fim, essa relação se tornou uma tragédia. Judy era amada pelo mundo todo no cinema e no palco. Mas, em sua vida privada, ela jamais encontrou o amor que tanto desejava.

Já ganhou

Vai dar ela. Depois de vencer o Globo de Ouro de melhor atriz dramática e o SAG Award, do Sindicato dos Atores, ninguém mais duvida que Renée Zellweger vencerá o Oscar na noite de 9 de fevereiro. Renée fez sua lição de casa direitinho. Mais que interpretar a mítica Judy Garland, ela parece encarná-la. Emagreceu, adquiriu os tiques nervosos, canta. Judy talvez não seja um grande filme, mas é certamente bom. Possui um roteiro muito interessante.

Antes de Renée, Darci Shaw, que faz a Judy garota. Começa no set de um filme que virou cult, O Mágico de Oz. Uma conversa entre o poderoso Louis B. Mayer e Judy. O dono do estúdio, a Metro, marca do leão, explica à garota porque ela foi escolhida para fazer Dorothy. É uma conversa esquisita. Ele a pressiona – hoje se diria que assedia, até abusa. Ela quer ser alguém, ou ninguém? Para ser alguém, Judy submete-se à ditadura do estúdio, que controla sua vida pessoal – o namorico com o também jovem Mickey Rooney – e se entrega a um regime intensivo. Pílulas para tudo. Dormir, ficar de pé, controlar a alimentação, a ansiedade etc.

O resultado é essa criatura ambivalente retratada no longa de Rupert Goold. Ele é mais conhecido como diretor de teatro na Inglaterra. Cria esse retrato da grande artista devastada emocionalmente, e dependente das pílulas. Só para lembrar, O Mágico de Oz foi um dos filmes que esculpiram, no imaginário do norte-americano médio, um dos grandes, senão o maior tema do cinema dos EUA – o retorno ao lar. Justamente um lar é o que Judy não tem, e não consegue oferecer aos filhos. O filme a surpreende nesse momento decisivo – uma turnê em Londres pode lhe garantir o dinheiro de que necessita. Mas têm os problemas de sempre – a instabilidade emocional, o manager errado. O filme traça um quadro pesado. Judy, privada do amor de Rooney, tiranizada por Mayer, vai de desastre em desastre nas escolhas amorosas.

A temporada em Londres evoca curiosamente um de seus últimos filmes. O título poderia resumir a vida e obra da estrela. Na Glória, a Amargura, I Could Go on Singing no original, de 1963. Na época, não se percebia quão autobiográfico era. Uma grande cantora volta a Londres para tentar recuperar a guarda dos filhos, que vivem com o pai. Ronald Neame dirige, Dirk Bogarde faz o ex-marido. Judy canta divinamente, mas sua vida, e as emoções, estão destroçadas. Nesse quadro, tanto na ficção como na realidade, o arco-íris virou mais que símbolo. Metáfora. Terá sido por cantar Over the Rainbow que ela virou ícone gay? O pai, informa o diálogo, era homossexual. Um dos maridos, o cineasta Vincente Minnelli, senão era gay, era bissexual. O que sobra em Judy é o carinho dos fãs. Do par gay, em cuja casa ela passa um raro momento de ternura, e Goold ecoa o clássico Meu Passado Me Condena/Victim, de Basil Dearden, com Dirk Bogarde. Durante todo o filme a questão é – Judy vai cantar Over the Rainbow? Veja, é emocionante. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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