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Arte

Sesc abre exposição de Sebastião Salgado

Por Agência Estado

17 de julho de 2019, às 07h00 • Última atualização em 27 de abril de 2020, às 11h13

Um dos fotógrafos mais prestigiados do mundo, Sebastião Salgado destaca-se também como um grande defensor do meio ambiente em qualquer parte do planeta. Em São Paulo para a abertura da exposição Gold – Mina de Ouro Serra Pelada, cuja abertura acontece nesta quarta-feira no Sesc Avenida Paulista, evento que contará ainda com o lançamento do livro Gold (Taschen), Salgado compartilhou com o jornal O Estado de S. Paulo sua preocupação com as medidas tomadas pelo governo de Jair Bolsonaro em relação ao meio ambiente.

“O Brasil é um país que lutou para criar grandes instituições, que agora correm sério risco”, observou. “A Funai (Fundação Nacional do Índio) foi criada pelo marechal Rondon, ou seja, representante do Exército, que é o maior defensor das etnias da Amazônia – vejo a preocupação deles com a floresta, com os indígenas.”

Salgado destaca que a Funai garantiu aos indígenas 25,5% do território amazônico protegido por lei. “Mas o governo atual está destruindo essa grande instituição e sem apresentar nenhum outro programa: o presidente que está aí não tem um programa de governo, prefere destruir para colocar nada no lugar, ou seja, tem uma proposta de destruição da floresta amazônica, com projetos tradicionais de soja e pecuária, mas a floresta tem uma riqueza muito maior do que isso – teríamos uma entrada de recurso maior e mais sofisticado se trabalhássemos melhor o que poderia ser extraído hoje da floresta, com a vantagem de preservar o principal capital, que é a própria floresta.” O fotógrafo lembra ainda que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), notório pela proteção da natureza, também vem sendo desmontado. “Outra catástrofe – estamos voltando 30 anos na história do País.”

Aos 75 anos, Sebastião Salgado mantém-se sensível às transformações do mundo, o que influencia visceralmente seu trabalho, reconhecido como um dos melhores do fotojornalismo. É o que se observa na exposição e no livro Gold, que reúne 56 imagens até hoje desconhecidas de sua aventura no garimpo de Serra Pelada, cuja curadoria e design são assinadas por Lélia Wanick Salgado, responsável pela editoria e organização de todo o trabalho de Salgado.

Antes, é preciso relembrar o que representou esse fato. No final de 1979, uma criança encontrou uma pedra dourada em riacho, no interior do Pará. Seu pai levou a descoberta ao dono da terra, que teve a confirmação de que aquela era uma pepita de ouro. Em pouco tempo, aquela região de Carajás (atual cidade de Curionópolis) foi tomada por milhares de homens interessados na riqueza fácil: cerca de 50 mil garimpeiros, de diversas partes do País, chegaram em busca do mesmo sonho, que era enriquecer. Nascia ali a Serra Pelada que, durante dez anos, foi a maior mina a céu aberto do mundo.

O apogeu dessa mineração foi registrada pelas lentes de Salgado que, em 1986, captou detalhes do trabalho daqueles homens – 30 imagens foram divulgadas na Europa, onde provocaram enorme repercussão. “O curioso é que tentei autorização para visitar o local desde 1980, mas, como vivi exilado, não era uma pessoa bem vista pelo governo federal”, conta o fotógrafo, que só conseguiu a liberação quando a administração passou para o grupo de mineradores.

Quando chegou lá, Salgado conta ter se surpreendido. “Fiquei sem palavras”, relembra. “Havia uma cratera, que julgo ter cerca de 200 metros de diâmetro, de onde saíam dezenas de homens carregando sacos pesados, subindo escadas de madeira muito compridas.”

Mesmo com uma experiência na família (“Meu pai era minerador no interior das Gerais, onde nasci, portanto conhecia aquele odor e a cor que a pele ficava”), Salgado vivia um aprendizado. “Logo percebi que, o que parecia uma movimentação desordenada de homens, na verdade era um exemplo de sistema organizado, pois todos os homens sabiam exatamente o que fazer.”

O fotógrafo permaneceu no garimpo durante 33 dias e, na maior parte do tempo, misturava-se com os trabalhadores dentro da cratera, registrando a incessante a escavação na terra – tudo o que era retirado tinha roteiro e destino final, e cada metro quadrado pertencia a um dono. Para evitar confusão, não era permitida a presença de mulheres nem o consumo de álcool – também o porte de armas era controlado. A violência era contida por policiais federais.

O sonho de riqueza, porém, chegava para poucos. “O ouro é um amante imprevisível. Enquanto alguns garimpeiros afortunados partiram da Serra Pelada com dinheiro, compraram fazendas e empresas e nunca se sentiram traídos, outros, que encontraram ouro e pensaram que havia mais fortunas esperando por eles, acabaram, por fim, perdendo tudo o que tinham obtido. Com um amigo do meu pai aconteceu isso. Ele achou 97 kg de ouro, reinvestiu seus ganhos em novos lotes e equipes adicionais de peões para, no fim, deixar a mina de mãos vazias”, conta Salgado, no texto introdutório do livro.

Em Serra Pelada, ele iniciou seu ambicioso projeto Trabalhadores, no qual mostrava, por meio de imagens poderosas, como o sistema de trabalho estava mudando no planeta – Salgado ainda visitou diversos pontos da extinta União Soviética. Também foi um desafio profissional: na década de 1980, fotos coloridas eram mais bem aceitas, especialmente em coberturas jornalísticas.

“Depois de Serra Pelada, as pessoas despertaram para o valor da fotografia em preto e branco”, afirmou Neil Burgess, da poderosa agência de fotografia Magnum, em texto de posfacio assinado pelo jornalista Alan Riding. “Não apenas como contraponto à cor onipresente, mas como um meio diferente de expressão, uma forma diferente de fotografia. O fotógrafo consegue controlar e desenvolver a narrativa de modo mais claro e direto em preto e branco, enquanto a cor pode distrair; é uma estética diferente.”

“O preto e branco também atribuiu às fotos características que reforçavam a ideia de que se tratava tanto de jornalismo quanto de arte”, completa Peter Howe, que foi editor de fotografia do New York Times. “Enquanto as fotografias em cor dos garimpeiros são dominadas pela poeira ocre que os cobre da cabeça aos pés, em preto e branco cada detalhe vem à tona – seus semblantes exaustos, braços e pernas musculosos, suas roupas úmidas e sujas. Mais uma vez, nas fotos panorâmicas da mina, o preto e branco possibilita que pontos de luz identifiquem cada trabalhador que sobe as escadas com seu saco cheio de terra”, completa Riding.

GOLD
Fotografias: Sebastião Salgado
Organização: Lélia Wanick Salgado
Editora: Taschen (208 págs., R$ 280. Edição especial, R$ 4.500)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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