Pelas Páginas da Literatura
‘Torto Arado’ e a persistência da escravidão
O espancamento de um homem negro no Carrefour ganhou repercussão, mas o genocídio da população negra não se resume a caso isolado
Por Marina Zanaki
25 de novembro de 2020, às 14h32 • Última atualização em 25 de novembro de 2020, às 14h33
Link da matéria: https://liberal.com.br/colunas-e-blogs/torto-arado-e-a-persistencia-da-escravidao/
Um homem negro ser espancado até a morte pelos seguranças de um supermercado só é possível pois o racismo que fundamentou a escravidão ainda persiste. O ato de violência ocorreu na véspera do Dia da Consciência Negra no Carrefour de Porto Alegre (RS) e ganhou repercussão, mas o genocídio da população negra não se resume a um caso isolado.
Nesse sentido, faço o convite para a leitura de um livro que retrata a persistência do pensamento escravocrata e racista, que se reflete na violência cometida contra os negros.
No premiado Torto Arado, do baiano Itamar Vieira Junior, o leitor acompanha a vida de uma comunidade na zona rural após a abolição, no século 20.
Duas irmãs têm a infância marcada por um acontecimento inusitado: uma delas perde a língua em um acidente doméstico. A narrativa de Itamar entrega qual delas sofreu o acidente apenas muitas páginas depois, mantendo o suspense e traduzindo na escrita como a vida das irmãs se entrelaçou após o acidente.
O livro acompanha a passagem das duas pela infância até a vida adulta, retratando o enfrentamento das irmãs às opressões na fazenda onde moram e a luta para tentar superar as explorações as quais são submetidas. A obra consegue unir uma importante reflexão social à uma trama intrigante – e é muito bem contada.
Torto Arado ganhou o Prêmio Leya em 2018, em Portugal, e concorre ao Prêmio Jabuti na categoria Romance Literário, cujo anúncio está marcado para esta quinta-feira (26). O autor Itamar Vieira Junior também participa da edição virtual da Flip 2020, que começa na semana que vem.
O livro é dividido em três partes, das quais as duas primeiras são narradas pelas irmãs Bibiana e Belonísia, e a terceira por uma entidade da religião praticada pela comunidade, de matriz africana.
A obra fala sobre uma página pouco contada da história do Brasil – as condições dos descendentes de escravos após a abolição – e traz reflexões incomodamente atuais sobre o racismo.
Repórter do LIBERAL, a jornalista Marina Zanaki é aficionada pela literatura e discutirá, neste blog, temas relacionados ao universo literário.