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Pelas Páginas da Literatura

Temos motivos para comemorar o Dia Mundial do Livro?

Em meio à ameaça tributar livros, com a alegação de que somente ricos leem, Brasil tem pouco a celebrar

Por Marina Zanaki

23 de abril de 2021, às 08h54

Nesta sexta-feira (23) é celebrado mundialmente o Dia do Livro. A data foi escolhida pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) em referência à data da morte de dois gênios da literatura: William Shakespeare e Miguel de Cervantes.

Gostaria de poder comemorar nesse texto a notícia que o consumo de livros aumentou de forma expressiva esse ano. Pesquisa feita pelo Snel (Sindicato Nacional de Editores de Livros) traz o agradável percentual de 38% de incremento na venda de livros em março deste ano em relação ao mesmo período do ano passado.

A notícia é ainda melhor se a gente lembrar do fechamento de tantas livrarias físicas em 2020, no que foi o ponto culminante de uma crise do mercado editorial que se arrasta há anos.

Infelizmente, o crescimento do hábito da leitura na pandemia não pode ser o único tema desse texto. É impossível falar de literatura e do mercado editorial sem trazer a ameaça de elitizar o acesso aos livros trazida pela proposta do Ministro da Economia, Paulo Guedes.

O assunto vem sendo discutido desde o ano passado dentro do contexto de reforma tributária. Basicamente, os livros têm isenção de impostos prevista na Constituição Brasileira. Adicional a esse direito, o mercado editorial conseguiu, em 2004, a isenção de duas contribuições sociais – PIS e Cofins.

Desde o ano passado, o Ministério da Economia fala em revogar essa isenção, passando a cobrar dos livros um novo tributo, chamado CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). O tema voltou a ser discutido este mês após uma publicação da Receita Federal chamada Perguntas e Respostas da CBS.

O documento traz a inquietante afirmação que livros são produtos elitizados e consumidos principalmente por quem ganha mais de dez salários mínimos. A justificativa para tributar livros é que somente ricos compram livros no Brasil.

Mas isso não é verdade. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, o mais importante levantamento sobre o assunto no país, traz a informação que cerca de 27 milhões de brasileiros nas classes C, D e E são consumidores de livros. Nas classes A e B, esse montante está calculado em 17 milhões de pessoas. Ou seja, em números absolutos, pobres leem mais do que ricos.

O problema é que, mesmo se fosse verdade a afirmação que só ricos leem, ainda assim aumentar os tributos desse produto é uma ideia errada por si só. Ler é um hábito, que precisa ser estimulado a nível pessoal e por políticas públicas. Uma medida que aumente o preço do livro não é de forma alguma um estímulo a formar mais leitores.

Se for concretizada, a cobrança da CBS vai encarecer os livros e dificultar o acesso em um momento em que bibliotecas, escolas e outros locais de acesso gratuito à literatura estão fechados em função da pandemia.

E o momento é duplamente ruim, pois como a pesquisa do Snel indicou, o brasileiro parece estar redescobrindo o prazer da leitura durante a quarentena.

Encerro com uma frase do educador Paulo Freire, que nos lembra que a leitura não é um ato descontextualizado da sociedade onde está inserida. A forma como um governo trata os livros diz muito sobre como ele cuida – ou vem deixando de cuidar – do próprio povo.

“A leitura do mundo precede a leitura da palavra”.

Marina Zanaki

Repórter do LIBERAL, a jornalista Marina Zanaki é aficionada pela literatura e discutirá, neste blog, temas relacionados ao universo literário.