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Alessandra Olivato

Sobre conspirações e espetáculos

Bem-vindos à democracia, onde grupos de diferentes interesses disputam o tempo todo o poder como também a ilusão de serem representados por ele

Por Alessandra Olivato

08 de setembro de 2021, às 07h13 • Última atualização em 08 de setembro de 2021, às 08h33

Eu juro que desta vez queria fugir, mas não tem como né? A angústia existe porque é um tema sobre o qual eu escreveria uma tese, mas fazer o quê? Abordar apenas um aspecto, dentre tantos possíveis.

Em véspera desse 7 de setembro, um dos veículos de comunicação mais lidos do país, o portal do UOL do Grupo Folha de S. Paulo surpreendeu com uma reportagem honesta, por assim dizer. Segundo a matéria, uma equipe do periódico acompanhou na última semana imagens e textos em páginas de grupos bolsonaristas país afora e chegou à conclusão que, em sua maioria, os clamores à manifestação de ontem pautaram-se por discursos genéricos de apoio ao presidente e frases a favor do povo e da liberdade, sem demandas políticas mais específicas ou ameaças mais sérias. Ao que parece o dia da comemoração da independência apenas confirmou o que os adoradores das teorias da conspiração e mensageiros do apocalipse (desculpem-me a ironia, não tenho sangue de barata o tempo todo) têm uma enorme dificuldade em enxergar: que a maioria da população brasileira de direita só quer ficar na sua, levando sua vida a cuidar do trabalho e da família sem que lhes sejam impostas ideias com as quais não concordam ganhando seu rico dinheirinho e sobrevivendo do seu jeito quase sempre desinteressado das questões coletivas mas inofensivo em boa parte do tempo.

É certo que tem uns equivocados de ambos os lados que pegariam em armas para defender suas ideias e seus respectivos mitos. Alguns justificariam o ato contra um possível plano comunista de poder, outros bradariam contra uma possível ditadura militar. Acordamos hoje e o que vimos? O mundo acabou? Houve golpe militar? O Willian Bonner aparecerá vestido com um uniforme verde na edição desta noite? Não. Assim como passamos por quase dezesseis anos de governo petista e o comunismo não foi instaurado. Tudo bem vá, eu entendo. As personalidades com claros traços de megalomania de ambos os mitos ajudam a incutir um certo receio nos que acreditam em teorias da conspiração. E não que golpes não ocorram mundo afora mas, vamos tentar entender um pouco mais de nós mesmos?

Passamos por mais um “grande evento” e o que vimos?  Cadê o bafafá todo que se esperava? Os noticiários atestaram ao final do dia: as manifestações foram em grande parte pacíficas, o que inclusive e contraditoriamente, podem enfraquecer o presidente! Dessa forma, o que aconteceu ontem foi mais uma vez um exercício democrático de um parcela da sociedade bradando por seu direito de “estar no poder” por ora e uma outra parcela, contrária, protestando contra. Bem-vindos à democracia, onde grupos de diferentes interesses disputam o tempo todo o poder como também a ilusão de serem representados por ele. Em nenhum lugar do mundo é diferente.   

Ah, mas esse pessoal da direita é ridículo carregando seus cartazes com suas frases mandatórias e de cunho autoritário! Jura?? Jura que é só o pessoal da direita mesmo que tem uma retórica autoritária e intolerante? Ah, mas a direita quer impor suas ideias a todo mundo! Sério que é só a direita que quer impor os seus valores aos demais? Uma das maiores diferenças entre a esquerda e a direita no Brasil é a de que a militância da esquerda têm, no geral, mais conhecimento do que significam as duas correntes ideológicas e, por isso, acabam tendo no geral mais ciência e clareza sobre suas pautas e àquilo a que se contrapõem, enquanto que a direita em sua maioria mal sabe explicar o que significa uma ideia de direita ou de esquerda, haja vista uma certa indiferença política habitual.

Veja, não se trata aqui de discutir que valores são melhores que outros porque isso acaba sendo incrivelmente muito particular. O que estou levantando é apenas o fato de que os discursos que vendem o medo de uma ditadura militar e de que o seu vizinho é seu inimigo só porque ele acha que menino deve usar azul e menina deve usar rosa é tão simplista e cansativo quanto o discurso da famosa atriz brasileira num passado não muito distante de que o comunismo seria instaurado no Brasil e que amanheceríamos sem nossas casas caso Lula fosse eleito.

A verdade é que a contraposição política que vemos hoje é, em boa parte, fruto de uma dificuldade generalizada em aceitar diferenças de ambos os lados, sem tirar nem pôr. Se a direita tem uma dificuldade de compreender outras opções sexuais, religiosas, políticas e de hábitos de vida que não sejam iguais aos seus, a esquerda passou de entusiasta do respeito às diferenças e à diversidade a uma arrogância e intolerância que beiram a ignorância e que a fez perder contato com boa parte da população.

Bolsonaro tem um discurso com ares de autoritarismo e de ameaças? Sim. Lula também tinha, e tem. O primeiro vai dar um golpe militar? Não acredito nisso da mesma forma que nunca acreditei que Lula instauraria o comunismo. E por que não acredito? Porque a estrutura do Estado capitalista brasileiro, uma estrutura tipicamente nossa, até hoje serviu e serve muito bem a ambos. Entenda, o interesse ideológico fica em segundo ou terceiro plano. O que se quer em primeiro lugar é o mais do mesmo: aproveitar-se o máximo possível do poder enquanto nele se está e manter-se ou retornar a ele sempre que possível. Então os discursos são muito mais pra te manipular e servir ao jogo político com vistas às eleições.  

Todos nós somos muito mais iguais do que pensamos. Hoje todos acordamos para as nossas tarefas, tomamos o café da manhã esperando estarmos seguros, acessamos o celular, lembramos daquela promoção da internet e segue o dia. Fim do espetáculo do poder e da oposição, que se cerrem as cortinas.

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.