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Cotidiano & Existência

Se eu fosse pai

Leia o artigo desta semana da professora Gisela Breno

Por Gisela Breno

04 de agosto de 2020, às 08h59 • Última atualização em 04 de agosto de 2020, às 10h33

Se eu fosse pai neste tempo marcado por incertezas, idolatria do ter e do poder, e de egoísmos exacerbados, travaria comigo mesmo, dia e noite, árduas batalhas para não cometer erros, crueldades e enganos praticados por aqueles que se acham sintonizados com a pós-modernidade.

Reconheço que educar é uma das mais árduas tarefas e que, por incontáveis vezes, munidos das melhores e mais nobres intenções, erramos de maneira até mesmo vergonhosa. Separado ou não da mãe de meus filhos, pois se há ex-marido, ex-genro, ex-cunhado, é inadmissível e desumano que exista ex-pai, teria muita prudência com meus pequenos.

Pensando na construção de sua espiritualidade, lutaria bravamente para não tecer criticas ácidas sobre padres, pastores e demais religiosos ou condenações aos ateus quando elas estivessem presentes. Da mesma forma não gastaria meu tempo falando de Deus se minhas atitudes fossem contrárias aos Seus ensinamentos. Como diz a sabedoria popular, as palavras convencem, os exemplos arrastam.

Estimularia minha filhinha a se vestir com roupas condicentes com sua idade; assim ela teria tempo e maturidade para se tornar adulta. Não diria ao meu filhinho que homem não chora e sim que lágrimas rolam da alma do ser humano sensível, compassivo. Abraçado a ele choraria pelas famílias das mais de noventa mil pessoas mortas pela Covid-19, sem desmerecer as demais, e lhe ensinaria que toda criatura que morre é o amor de alguém.

Por acreditar no poder criativo e terapêutico da imaginação não lhes contaria que papai Noel, coelhinho da Páscoa, fadinha do dente não existem. Delegaria a estranhos este doloroso trabalho. A eles apresentaria e lhes explicaria a importância do mundo virtual, mas incansavelmente lhes proporcionaria momentos de contato com a terra, chuva, vento, plantas, céu e outros animais, além de nós mesmos.

Ajudaria na escolha de uma escola cujo cerne seria a construção de um ser humano mais fraterno, compassivo, amoroso, ético, e mesmo discordando de algum aspecto inerente ao processo educativo ou da ação dos educadores, tudo seria tratado de adulto para adulto, nada chegando portanto aos ouvidos e mentes imaturas das minhas crianças.

À noite, ou nos momentos de temores, mesmo com o cansaço do dia a dia e a voz desafinada, entoaria canções que, tocando seus corações, trariam a paz que jorra do colo paterno.

Sem ignorar as habilidades e competências implantadas e exigidas pelo deus mercado e porque infelizmente o mundo não é cor de rosa (ou azul, amarelo, verde) reservaria tempo e espaço para que minhas crianças pudessem simples e poeticamente brincar.

Se algum deles me confessasse não ser heterossexual como eu, como sua mãe, o (a) acolheria ternamente em meus braços sem lhe dar resposta alguma, pois ele ou ela saberia de antemão que sonho e luto para que meus descendentes sejam honestos, solidários, justos, amorosos; que façam jus a sua humanidade independente de sua orientação sexual.

E quando tudo parecesse impossível de se concretizar, quando o desânimo se instalasse em meu ser, levaria meu menininho, minha menininha ao colo e no abraço apertado encontraria a esperança e a certeza de que graças a eles a vida tem sentido.

Gisela Breno

Professora, Gisela Breno é graduada em Biologia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e fez mestrado em Educação no Unisal (Centro Universitário Salesiano de São Paulo). A professora lecionou por pelo menos 30 anos.