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Histórias do Coração

Rúbia e Sérgio

Nesta história sobre o amor romântico, Carla Moro mostra que esse tipo de amor também é cego por princípio

Por Carla Moro

05 de setembro de 2021, às 09h22

Há um poema do Paulo Leminski, poeta curitibano de quem eu gosto muito, cujo eu-lírico diz não saber se o amor realmente acaba; o que ele sabe é que a vida se encarrega de transformar esse amor em raiva ou em rima. Eu, quando ouço uma história de amor que acabou, sempre torço pela rima.

O amor romântico, este ao qual, imagina-se, Leminski se referia em 1983, tem sua origem há alguns séculos. Não que as pessoas não amassem antes, mas com o conceito surgiu a expectativa. Esperava-se do amor romântico – e uso o tempo verbal no passado por mera questão de estilo – que ele fosse para toda a vida. Quando pensamos na Idade Média, isso era mais fácil de se cumprir, haja vista que as pessoas viviam muito pouco.

Desse tipo de amor também se presumia que fosse exclusivo, uma vez que a monogamia garantiria uma sucessão de bens entre uma mesma família. Ainda dentro de uma questão financeira, o amor romântico também precisaria ser incondicional, ou seja, permanecer e perdurar, custe o que custasse. Bem se vê que esse amor era da ordem, se não do impossível, mas da grande dificuldade. O amor romântico é, por princípio, difícil, e nessa ideia se mede o seu valor.

Esse tipo de amor, tão disseminado pela literatura, pelos filmes e também pelas músicas era o amor em que a Rúbia acreditava quando conheceu o Sérgio. O amor dela por ele era tão romântico que se encaixava na ordem do impossível. Os dois trabalhavam em uma mesma empresa de contabilidade aqui da cidade. O romance entre funcionários era proibido. A isso, somava-se o fato de que o Sérgio era noivo, um relacionamento de muitos anos e com data de casamento marcado.

Em muitos casos, é sabido, a proibição só faz o amor crescer. O amor romântico, como eu disse antes, tem a ideia de que a dificuldade é que mede o seu valor. Temos um problema em enxergar o amor como um sentimento que vem fácil.

Durante quatro anos, a Rúbia e o Sérgio aproveitavam as viagens do trabalho para ficarem juntos. Embora não fosse exclusivo, porque o Sérgio tinha uma noiva, a Rúbia sentia que seu amor era incondicional. Amava o Sérgio apesar do noivado dele, apesar da proibição do trabalho, apesar da iminência do fim. O amor romântico também é cego por princípio.

Seria mentira, ela me conta, se dissesse que nunca esperou pelo fim do relacionamento do Sérgio. Como em um filme no qual, no último momento, ele tivesse uma epifania, essa grande revelação, de que a Rúbia era, na verdade, o seu grande amor. O amor romântico, dizem os teóricos, é o amor dos grandes gestos (que, neste caso, não aconteceram).

A Rúbia, como se pode imaginar, não recebeu um convite para o casamento, que aconteceu na igreja matriz aqui da cidade. Ela tampouco apareceu na porta da igreja no dia da cerimônia. Embora eu esteja falando do amor romântico, esse amor não era filme. Da literatura, sobrou para a Rúbia a raiva ao ver nas redes sociais as fotos da lua-de-mel.

No começo da entrevista com a Rúbia, eu torcia pela rima, confesso. O amor transformado em poesia é mais fácil de ser superado quando o fim acontece. Mas no amor, o fim rima com o quê?

Carla Moro

Formada em Letras pela Unesp, Carla Moro faz neste blog um registro da trajetória dos casais! Quer sugerir sua história para a coluna? Envie um e-mail para colunahistoriasdocoracao@gmail.com