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Alessandra Olivato

Que país é esse?

Temos o hábito de considerar que "tudo lá fora é melhor”, como se “lá” só existissem coisas boas... mas será mesmo?

Por Alessandra Olivato

31 de março de 2021, às 08h41

Na última vez que fui ao varejão que costumo frequentar, paguei menos de um real por quatro goiabas vermelhas, pouco mais de dois reais por dois abacates médios, dois reais por um quilo de tomate italiano. Além dos preços baixos, caixas e mais caixas de frutas e legumes empilhava-se à nossa disposição. A variedade e a abundância de hortifrútis no Brasil é um algo que sempre me lembra de como esse país é abençoado. Muito já se falou sobre nossas riquezas naturais, uma imensidão de terras e recursos hídricos, biodiversidade gigantesca, uma terra em que tudo se dá.

Me ufano totalmente de nossa riqueza natural, mas não acredito ser a única. Independente de nossos problemas, somos também ricos em termos humanos. Para sair do básico sobre nosso jeito amoroso e famoso no mundo inteiro, basta uma busca rápida no YouTube para encontrar um sem número de brasileiros dividindo conhecimento sobre artesanato, receitas, psicologia, eletrônica, mecânica, elétrica, jardinagem e mais uma incontável gama de saberes em suas cozinhas simples, num espaço improvisado de suas casas ou com um cenário amador de fundo. Em um país onde as oscilações da sobrevivência material fazem parte do dia-a-dia e onde é quase impossível prever qual de nossos empreendimentos vai dar certo ou não é impressionante ver a resiliência e a persistência de milhares de pessoas se reinventando a cada dia. E não é só esforço, é muita gente competente.

Mas, apesar de nossas riquezas, há uma parcela entre nós que se esmera em reforçar aquilo que chamo de um ufanismo invertido, uma admiração exagerada de tudo o que é de outros países em detrimento do que é nosso. Como a maioria, reconheço com humildade o avanço tecnológico e material alcançado por muitas nações, sua organização societária e seus elevados índices educacionais. Precisamos sim avançar em inúmeros aspectos como país, seja no âmbito político ou social.  Porém, para além de uma recomendável autocrítica parece que sofremos de uma arraigada maledicência em relação a nós mesmos, um hábito desnecessário de considerar que “tudo lá fora é melhor”, como se só tivéssemos problemas e defeitos e “lá” só existissem coisas boas. Desde que me conheço por gente, sofro de vergonha alheia disso que identifico como um indisfarçável complexo de inferioridade, parente de primeiro grau da vulnerabilidade que nossa autoestima tem à opinião dos outros sobre nós.

Difícil não exemplificar esse tema com esse assunto mais do que batido, mas vejamos. Com exceção do Reino Unido, que até meados de março vacinou cerca de 50% da população, a imunização contra a Covid-19 no resto do continente europeu não atingiu 15% no mesmo período, perdendo para países como Israel e Chile. Além disso, novos protestos contra as restrições sociais até com algum grau de violência foram vistos recentemente mesmo na Alemanha, país com política interna exemplar.

A essa altura já temos uma boa noção sobre nossas falhas no enfrentamento da crise e talvez o principal seja a sua politização, com as várias estâncias de poder disputando os custos e benefícios de seus posicionamentos na gestão da mesma em detrimento do interesse da população. Fato. Mas o ponto que eu quero levantar é que mesmo interesses políticos escusos, além de dificuldades concretas e dúvidas não são exclusividades nacionais seja sobre essa crise de saúde ou outro evento qualquer. Assistimos a uma discordância acirrada entre os defendem o isolamento social máximo e os que se preocupam com a economia e com o seu trabalho… Mas democracia não se trata disso? Democracia não é, entre outras coisas, conviver permanentemente com interesses divergentes? Então essa divergência toda também não é só problema nosso, por isso que ainda que eu acredite piamente – e acredito – na boa intenção da maioria dos seres humanos, me soa bastante suspeito quando líderes internacionais derramam suas convicções negativas sobre nós ao tempo que se colocam acima de quaisquer suspeitas.

Não se trata de alimentar o narcisismo de um país maravilhoso onde só há qualidades, porque não é o caso. Pelo contrário, é urgente que nossos governos e cada um de nós trabalhem com maior afinco para mudar estruturas arcaicas e superar culturas obsoletas que só nos afastam de uma realidade muito mais condizente com todo nosso potencial. Mas eu diria que se temos uma desvantagem real em relação a outras nações é muito mais a falta de um patriotismo na medida certa, um orgulho por tudo aquilo que temos de bom e por tudo o que somos de bom. Erramos muito e acertamos muito também! Autocrítica sempre, mas sem complexo de inferioridade! Autocrítica sim, maledicência não!

Reitero que essa coluna é democraticamente independente da opinião de quaisquer funcionários de O Liberal

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.