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Alessandra Olivato

Preconceito e discriminação

Ninguém é obrigado a concordar com o outro e temos direto a um pouco de ranço, sim, mas viver de ódio acaba com a saúde

Por Alessandra Olivato

05 de maio de 2021, às 09h32 • Última atualização em 06 de maio de 2021, às 14h43

É muito comum duas ou mais pessoas conversarem sobre algo sobre o qual têm conceitos diferentes, assim, quando conversam não entendem de fato o que o outro está querendo dizer. Se vamos discutir sobre o futuro da democracia, o ideal seria primeiro sabermos se entendemos a mesma coisa por democracia. Isso é fundamental para um diálogo eficaz. O que é um conceito? É o significado que tem uma palavra. O dicionário traz os conceitos reconhecidos em nossa língua, mas acredito que uma forma tão eficiente quanto para aprender o significado oficial das palavras seja ler o máximo possível. 

Há dois conceitos, por exemplo, que muita gente confunde, mas que são diferentes e conhecê-los não só evitaria muita confusão como até ajudaria a vivermos melhor uns com os outros. São eles preconceito e discriminação.

O preconceito refere-se a uma opinião pré-formada ou sentimento e, por isso, tem uma característica de espontaneidade, uma vez que sentimentos, sensações e emoções nos são despertados antes de pensarmos sobre eles. Por isso que é quase impossível alguém não ter preconceitos. Uns tem mais e outros menos, mas ninguém gosta de tudo ou de todo mundo e não se desagrada com nada.

O rico tem preconceito do pobre, o pobre tem do rico. O heterossexual do homossexual, o pansexual dos heterossexuais. Os muitos expansivos dos muito tímidos, os reservados dos exibicionistas. Os sulistas dos nordestinos, os nordestinos dos sulistas. Os homens das mulheres, as mulheres dos homens. O branco tem preconceito do preto, o preto do branco. Os que defendem a descriminalização do aborto têm preconceito contra aqueles que são contra o aborto, os que são contra o aborto daqueles que defendem sua descriminalização. Os jovens dos idosos, os idosos dos jovens. Os sedentários dos fitness, os fitness dos sedentários. Os católicos dos evangélicos, os evangélicos dos católicos. Os amantes do sertanejo universitário dos roqueiros e estes, daqueles. Os da direita sobre aqueles que se comportam diferente, os da esquerda sobre aqueles que pensam diferente. Os da direita sobre aqueles que consideram acomodados, os da esquerda sobre os que consideram menos inteligentes ou ignorantes. Os norte-americanos dos brasileiros, os brasileiros dos bolivianos. Calma! Claro que há generalização nisso e muita coisa já mudou, mas duvido que ninguém tenha um preconceito escondido e difícil de admitir até pela pressão em ser politicamente correto.

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Muitas vezes não sabemos por que sentimos resistência ou aversão a algo como também não temos consciência do porquê temos aquela opinião pré-formada. Então por ser o preconceito geralmente ainda não compreendido, penso que poderíamos até mesmo respeitar o preconceito do outro! Pode parecer um absurdo, mas se temos preconceitos não deveríamos entender que o outro também os tenha? Isso não quer dizer que não devemos mudar, apenas que todo mundo tem telhado de vidro.

Já a discriminação, diferente do preconceito, implica em uma ação: colocar em desvantagem ou tratar negativamente alguém por ter um atributo, comportamento ou origem de que não gostamos ou achamos inferior, ofensivo ou errado. Por ser uma ação, a discriminação geralmente reflete nossas intenções e escolhas.  

Devido a essa diferença entre preconceito e discriminação uma situação aparentemente contraditória mas possível de acontecer é eu ter um preconceito mas não discriminar. Ao invés de entrar em confronto, posso simplesmente evitar uma situação que me aborrece ou evitar alguém cujo atributo ou comportamento não gosto. Não que isso seja sempre fácil ou possível, já que a vida nos obriga a conviver com todo tipo de pessoas e escolhas diferentes das nossas. Há dificuldades decerto. Além disso, por sermos parciais e emotivos, apontamos facilmente o dedo para o preconceito do outro, mas não reconhecemos os próprios, sentimo-nos indignados com uma escolha diferente, mas esperamos que todos aceitem a nossa. Mas a questão é que se não temos o respeito e a aceitação da diversidade como um valor que nos impeça de sermos injustos em relação a alguém ou um grupo, o que poderia nos dissuadir da ideia de reagir negativamente a tudo que nos desagrada?

A palavra que melhor justifica para mim esse esforço é uma palavra muito bonita: coerência. Exigir do outro apenas o que eu dou ao outro (e nem sempre), não cobrar do outro o que eu também não faço, não condenar a intolerância do outro se eu mesmo sou intolerante. Mas por quê? Quem diz que tem que ser assim? Quem somos nós para dizer como alguém deve agir? Na verdade, ninguém… Mas o fato é que quando o outro percebe que há coerência entre o que dizemos e fazemos também se sentirá estimulado a agir da mesma forma; quando alguém percebe que estamos sendo educados e até agradáveis aceitando-o mesmo discordando dele, provavelmente teremos a mesma condescendência de volta. Já que somos inevitavelmente diferentes e tivemos trajetórias distintas, tentar respeitar o diferente é também uma questão de pragmatismo. Já que temos que viver com essas diferenças não é melhor facilitar um pouco nossa vida? Ninguém é obrigado a concordar com o outro e temos direto a um pouco de ranço sim, mas viver de ódio acaba com a saúde.

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.