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O direito dos fumantes a informações confiáveis

Por Mônica Gorgulho

04 de março de 2021, às 09h04 • Última atualização em 04 de março de 2021, às 09h05

Apesar das dificuldades advindas da pandemia do COVID19, 2020 comportou diversos encontros internacionais para discutir propostas relacionadas à redução de danos (RD) advindos do uso do cigarro.

Um dos temas principais desses encontros foi a possibilidade de fumantes não terem atualmente acesso a informações confiáveis sobre métodos alternativos ao uso do tabaco queimado. Existe uma forte rejeição de uma parcela da população, especialmente médica, ao consumo de nicotina através de aparelhos eletrônicos e outras modalidades. A principal justificativa seria a falta de dados baseados em evidências que comprovassem a eficácia – no alcance da abstinência de nicotina ou na diminuição dos agravos à saúde relacionados aos subprodutos da fumaça do cigarro – desses métodos.

Embora possamos contar com artigos acadêmicos sobre essa proposta na casa dos milhares e países como Japão, Canadá, Suécia, Reino Unido, entre outros, já façam uso oficial de estratégias de RD em suas políticas públicas para cessação ou diminuição dos problemas causados pelo uso do tabaco queimado, o Brasil ainda resiste oficialmente a discutir profundamente essa proposta.

Apenas oficialmente, uma vez que na prática esses aparelhos já estejam entre nós. Coletivos de usuários de métodos alternativos ao cigarro estimam que existam mais de 1 milhão de “vapers” espalhados pelo Brasil. No mundo, são estimados em mais de 1 bilhão. E essa população deve movimentar por volta de 34 bilhões de dólares até 2021[1].

Dois anos atrás a OMS recebeu uma doação de 375 milhões de dólares de Bill Gates e Michel Bloomberg juntos, para investimentos em campanhas proibicionistas para o tabaco[2]. E o Credit Suisse estima que as empresas do tabaco tenham perdido mais de 300 bilhões de dólares em valores de mercado, com a chegada das novas tecnologias.[3]

Quantias tão vultosas me fazem duvidar de que esse debate esteja mesmo focalizado nas necessidades reais dos dependentes e usuários de nicotina, em relação às dificuldades que encontram para abandonar o cigarro ou continuar com seu consumo de forma menos perigosa ao organismo. Da mesma forma que a Redução de Danos é acusada de atender aos interesses da Indústria, me pergunto a quem interessa a defesa cega de uma só proposta – abstinência ou cessação para usar o termo destinado ao cigarro – no delineamento de soluções para um problema de saúde pública de tanta complexidade.

No Reino Unido, em 2019 somente 15% da população maior de 18 anos fazia uso do cigarro convencional (taxa que vem caindo consistentemente). Atualmente, estima-se que o uso de aparelhos eletrônicos entre adultos britânicos já chega perto de 10%. Na Irlanda, entre 2016 e 17, a taxa de fumantes caiu de 23% para 17% e o uso de aparelhos eletrônicos subiu de 3% para 5% entre 2015 e 2019. Entre 2014 e 2017, a taxa de fumantes franceses caiu de 64,5% para 39,7% e 700 mil fumantes deixaram de fumar com a ajuda dos vapes. Na União Europeia como um todo, estima-se que 6,1 milhões de pessoas deixaram de fumar por conta dos aparelhos de nova geração[4]. No Brasil, não há qualquer número oficial pela falta de discussão adequada sobre uma possível regulamentação desses aparelhos.

Em julho de 2020 o FDA – Food and Drug Admnistration, agência federal do departamento de saúde norte americano – autorizou a comercialização em território nacional de um desses aparelhos eletrônicos, por considera-lo um produto de tabaco de risco modificado e exposição reduzida aos riscos do tabaco queimado. Em 2018, a Public Health England – agência governamental britânica -, lançou a 4ª Revisão de Evidências de Cigarros Eletrônicos e Produtos de Tabaco Aquecido, usando dados de diversas fontes, provenientes de diferentes setores da sociedade. A conclusão foi continuar e aprofundar a implementação de políticas de uso de alternativas ao tabaco queimado, especialmente os aparelhos eletrônicos.

Dois palestrantes do II Seminário Internacional de Redução de Danos sobre tabagismo, evento ocorrido no Brasil nos dias 10 e 11 de Novembro/2020, chamaram nossa atenção para dois aspectos importantes do cenário atual. Dr. Rodolfo Behrsin, pneumologista e professor adjunto da UNIRIO disse que há muito mais desinformação que informação no debate sobre Redução de Danos para o tabaco. E David Sweanor, Presidente do Centro de Legislação, Política e Ética em Saúde e professor da Universidade de Otawa – lembrou que, historicamente, alternativas negadas hoje serão aceitas no futuro.

É eticamente correto dificultar essas informações aos fumantes brasileiros, dificultando quando não impedindo a realização de pesquisas e debates sobre essas alternativas? Países desenvolvidos já estão fazendo sua lição de casa nesse assunto. E nós? Até quando vamos postergar o enfrentamento dessa questão vital para milhões de pessoas?

*Mônica Gorgulho é psicóloga clínica, mestre em psicologia social, ex-presidente da Rede Brasileira de Redução de Danos e ex-membro da diretoria-executiva da Associação Internacional de Redução de Danos

[1] Você S/A – Agosto 2019
[2] Jornal “O Estado de São Paulo” – Julho 2018
[3] Credit Suisse – IMB.L: Imperial Brands – FY20 results in-line. – Novembro 2020
[4] ETHRA – as pessoas fumam pela nicotina, mas morrem pelo alcatrão, ethra.co

Colaboração

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