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Cotidiano & Existência

O Bicho Homem

Leia o artigo da professora Gisela Breno

Por Gisela Breno

01 de setembro de 2020, às 08h53

Quão estranho e contraditório é o ser humano. Dotado de um complexo raciocínio lógico, muitas vezes não sabe como, por que e para que viver.

Consciente da brevidade de sua vida, de que o tempo voa, escorre pelas mãos, remói o passado, desgasta-se com as incertezas do futuro permitindo que a preciosidade do hoje seja adiada para um amanhã provavelmente imprevisível.

Tendo como companheiras de caminhada a alegria e a tristeza, deixa-se marcar muito mais pelos sofrimentos, lamentando que “tristeza não tem fim, felicidade sim”.

Mesmo sendo singular no Universo, foca seu olhar nos outros, cobiçando posição social, conta bancária, marcas de carros, corpos – magérrimos é claro, roupas alheias, e nem se dá conta da beleza de seu modo ímpar de ser e estar no mundo.

Sem se espelhar nas árvores que generosamente espalham sementes portadoras de continuidade, pouco se esforça para disseminar o seu fruto raro chamado amor.

Complicado é o ser humano. Capaz de se comunicar por gestos, falas, escrita e tendo a sua disposição aparelhos com tecnologia de ponta, envia de maneira automática, repetitiva, mensagens, emojis, figurinhas que pouco representam diante da força e do poder das palavras de afeto, solidariedade, consolo, elogios ditados pela voz do próprio coração.

Agraciado com cinco sentidos, não percebe que é preciso abrir seus ouvidos para encantar-se com o ruído das chuvas que umedecem nosso ser; retirar as vendas dos olhos e fitar terna, demorada e amorosamente os seus , antes que a vida os roube de si; desatar as mãos e quebrar as muralhas construídas para se privar do convívio com gente igualmente carente e incompleta; sentir o sabor do Divino na entrega ao silêncio; aspirar o perfume inebriante das manhãs de primavera.

E no crepúsculo da sua existência, ao invés de renascer, feito Fênix, das cinzas dos cansaços, das desilusões, dos fracassos, das perdas inerentes ao viver, desiste dos sonhos, abandona ousadias, aterroriza-se com o novo, foge das paixões.

Arduamente sobrevive. Apenas sobrevive.

Pobre bicho homem.

Gisela Breno

Professora, Gisela Breno é graduada em Biologia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e fez mestrado em Educação no Unisal (Centro Universitário Salesiano de São Paulo). A professora lecionou por pelo menos 30 anos.