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Cotidiano & Existência

Minha mãe

Por Gisela Breno

07 de junho de 2022, às 13h47 • Última atualização em 07 de junho de 2022, às 13h49

A vida para ela nunca foi fácil. Vinda de uma família muito pobre, ainda menina, depois das aulas, carregando cestas de vime, vendia verduras nas ruas, colhidas no terreno situado nos fundos de sua casa no bairro São Domingos.

Anos mais tarde, foi morar numa casa localizada atrás da estação ferroviária. Como era possível, dali ,visualizar todo o movimento de chegada e partida dos trens, Didinha, seu apelido familiar, via frequentemente um moço lindo, elegante, muitas vezes de terno branco, desembarcar na estação. Soube mais tarde que ele era de Sumaré e que vinha para Americana tratar de negócios da tecelagem da família.

Apaixonaram-se, casaram-se e tiveram 5 filhas. Tudo corria bem quando Carlos, meu pai, adoeceu. Inúmeras crises de depressão lhe roubaram o trabalho, a renda. Com cinco filhas menores e marido doente, minha mãe, ajudada pelo seu irmão Jessyr, nos trouxe para Americana. Para nos sustentar, passou um longo tempo acordando antes das cinco horas para trabalhar como liçadeira, manipulando mais de três mil e quinhentos fios por dia. Lembro-me, com pesar, do seu rosto cansado e dedos inchados quando voltava pra casa no final da jornada. Meu pai, coitado, tinha a saúde mental cada vez mais comprometida. Veio a falecer com 51 anos de idade, vítima de um infarto, deixando esposa com 49 anos e as cinco filhas que ele tanto amava; as mais novas, Ana Carla e Fabia com, respectivamente. 11 e 9 anos.

Feito carvalho, seguiu bravamente sua caminhada. Mulher tenaz, independente, repleta de vigor, foi trabalhar posteriormente na loja de sua terceira filha, onde permaneceu até os 76 anos de idade, apesar dos nossos apelos para que ficasse em casa.

Menos de um ano depois, foi acometida pela Doença de Alzheimer, que progrediu assustadoramente. Vive há 13 anos acamada. Não se movimenta, não ouve, não fala e desde então não reconhece suas filhas tão amadas, tão mimadas e tão protegidas por ela.

Recentemente, para nosso desespero, foi hospitalizada, aos 90 anos, com um quadro gravíssimo de pneumonia. Segunda-feira passada, para nossa alegria, voltou pra casa. Comemoramos até com bolo. Ela não sabe que somos suas filhas, mas por nenhum momento nos esquecemos da mãe que ela sempre foi. Viva a dona Ana!

Gisela Breno

Professora, Gisela Breno é graduada em Biologia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e fez mestrado em Educação no Unisal (Centro Universitário Salesiano de São Paulo). A professora lecionou por pelo menos 30 anos.