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Alessandra Olivato

Meritocracia

Quase todas as pessoas tendem a se posicionar mais favoravelmente ou mais contrariamente a essa ideia sobre o merecimento; leia análise

Por Alessandra Olivato

23 de fevereiro de 2022, às 07h45 • Última atualização em 23 de fevereiro de 2022, às 07h46

Uma das visões de mundo que dividirá as escolhas políticas esse ano diz respeito à meritocracia que, em poucas palavras, seria um sistema social cuja hierarquia é baseada no mérito de cada um. Mesmo desconhecendo o conceito, quase todas as pessoas tendem a se posicionar mais favoravelmente ou mais contrariamente a essa ideia bastante presente nas ideologias políticas, mas também na vida em geral.

Algumas pessoas, por exemplo, acreditam que “tudo depende do esforço individual”, não importa o contexto; por sua vez, outras costumam pensar que “tudo depende do contexto”, não importante o que o indivíduo faça ou deixe de fazer.

Em termos de nossa vida em sociedade, os que se posicionam mais ardorosamente a favor da meritocracia afirmam que não importa se o indivíduo nasceu pobre ou se é um refugiado de guerra, se é homossexual e sofre preconceitos ou se é negro vivendo em uma sociedade racista. Pouco importa o que a sociedade “faz” ou como é funciona, tampouco se o governo facilita a vida dos cidadãos ou não. Depende do indivíduo lidar com sua realidade e tudo é fruto de sua escolha, inclusive a de conseguir superar sua condição possivelmente desfavorável. Sem dúvida a sociedade é plena de pessoas que conseguiram um conforto material devido a seus esforços, isto é, méritos, mesmo que saibamos que muitos entre esses tiveram também uma boa estrutura familiar, estudo, apoio dos pais, incentivo etc.

Do outro lado dessa linha de pensamento, existem os que defendem que tudo depende da sociedade, da forma de governo, da condição de se ter nascido pobre ou rico, de ter sido amado ou não. É comum entre os mais radicais entre esses a crença de que sua má sorte bem como a de outros se explicam exclusivamente por fatores externos – porque nunca tiveram ajuda, porque não tiveram estrutura nem oportunidades, porque o governante é ruim, porque a sociedade é dominada por religiões fanáticas, porque os países desenvolvidos são imperialistas etc.

Ocorre que sem precisar ser grande observador pode-se facilmente verificar que existem exemplos que contrariam o absolutismo de ambas as lógicas. Todos conhecemos alguém que nasceu desfortunado economicamente, família cheia de problemas, alguns até órfãos em tenra idade, negro em uma sociedade racista ou com alguma deficiência física ou qualquer combinação de características ditas desfavoráveis que, no entanto, não se tornaram criminosos, construíram famílias, vivem de seu trabalho ou até mesmo enriqueceram, tornaram-se doutores, são pessoas razoavelmente equilibradas. Assim como conhecemos outros que de tudo tiveram, acesso a bom estudo, férias na casa da praia e viagens pro exterior ou, se nem tanto, apenas tiveram as facilidades e suporte material para poderem deixar o ninho quando sentiram-se seguros para tal. Há inúmeros brasileiros, argentinos e bolivianos bem-sucedidos material e emocionalmente ao mesmo tempo em que existem moradores de ruas em Londres, Nova York ou Amsterdã.

Sempre há maneiras de se olhar pra algo de modo mais assertivo. Embora haja exceções para tudo, o fato é que há mais pessoas vivendo dignamente em locais tanto onde o nível de estudo é maior e melhor como onde há mais riqueza sendo gerada e distribuída, não obstante existam nessas sociedades dependentes de drogas ou álcool, pessoas deprimidas ou simplesmente, na visão popular, os preguiçosos e eternamente dependentes. Assim como é fato que em países ou localidades onde há menos riqueza material sendo gerada e, logo, uma distribuição mais injusta da mesma, bem como baixo nível educacional, pessoas vivendo em situações constantemente sofridas.

Todos nascemos merecedores de termos educação, saúde, moradia, entrada pro cinema e boas roupas simplesmente por termos nascido nesse planeta? Até quando devemos receber sem esforço? Seria possível existir uma sociedade em que todos tivessem oportunidades muito parecidas ao mesmo tempo em que o esforço pessoal fosse recompensado? Todas as pessoas que defendem a igualdade plena concordam que o seu colega de trabalho que trabalha menos receba o mesmo salário? Por ora penso que não somos todos iguais, inclusive em atitudes, resistência, desejo e capacidade de nos esforçarmos. Mas tão certo ser o fato de que como filhos criados com a mesma condição e amor muitas vezes traçam caminhos bem diferentes é o de que a probabilidade de um indivíduo de se desenvolver é diretamente proporcional em relação às oportunidades a que tem acesso. É justo julgar ou punir alguém que enfrentou muito mais dificuldade durante a vida? Ou até quanto tempo oferecer ajuda a alguém que parece não interessado em se esforçar um pouco mais?  

Há bem mais perguntas sobre isso tudo e elas não são fáceis de responder, mas pode ser bastante importante termos um pouco mais de clareza sobre elas não apenas nas próximas eleições como na relação com os outros.  

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.