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Alessandra Olivato

Mais livres ou mais iguais?

Liberdade e igualdade permeiam boa parte das bandeiras do que convencionamos chamar de esquerda e direita

Por Alessandra Olivato

17 de março de 2021, às 08h43

Há certas aporias que permanecem desafiadoras ao longo dos tempos. Derivada do grego, a palavra aporia remete à dificuldade em obter uma resposta exata ou definitiva sobre uma questão. Exemplo bem comum é o da eterna dúvida sobre quem nasceu primeiro, o ovo ou galinha. Para mim, uma das mais instigantes é a da relação entre liberdade e igualdade, sobretudo porque permeia boa parte das bandeiras do que convencionamos chamar de esquerda e direita.

O pensamento liberal clássico, com o qual geralmente a direita se identifica, concebe o Estado como guardião da Constituição, defensor da soberania e segurança nacionais e administrador da nação, mas interventor mínimo nas relações sociais, em especial as econômicas. Isso implica que os indivíduos são os mais livres possíveis para se expressarem, irem e virem, criarem e, principalmente, para gerar e gerir as riquezas, e que assim acabam por promover o desenvolvimento social e o bem coletivo.

Já para o pensamento “de esquerda”, o Estado é regulador essencial das regras de produção de bens e do comércio, bem como responsável direto em garantir direitos como saúde e educação, entre outros. Nesse sentido, a ideia de que o conforto no padrão de vida deva ser resultado do esforço e mérito de cada um é bastante contraposta, pois entende não apenas que todos merecem direitos básicos independente do sucesso financeiro que alcançam, mas que a desigualdade social resulta de um sistema que não permite oportunidades iguais para todos. Nesse sentido, o Estado é o provedor do bem comum por definição.

Claro, isso é um resumo muito simples de duas correntes teóricas políticas que foram também se modificando com o passar do tempo. À parte isso, fato é que uma das maiores constatações sobre as experiências capitalistas, socialistas e comunistas de governo, é a de que sociedades capitalistas fortalecem as liberdades individuais e tornam-se, no geral, mais ricas, mas facilitam uma maior desigualdade social; já nos governos socialistas e, principalmente, comunistas, a prioridade à igualdade social exige um maior controle do Estado sobre a sociedade, o que restringe as liberdades individuais.

Para complicar mais um pouco, surge na segunda metade do século XX o chamado Estado do bem-estar social, com a promessa de corrigir alguns problemas da sociedade capitalista, por meio de uma maior intervenção na economia e políticas de distribuição de renda. Mas então, só para citar uma nova dificuldade, aumentam os gastos públicos, as populações envelhecem e o novo modelo também passa a ser questionado.

O debate parece interminável. Como garantir maior liberdade individual possível sem ferir a liberdade do outro? Como sustentar igualdade social se temos diferentes capacidades e disposição para trabalhar? O que é melhor? Termos liberdade para nos expressarmos e viver como bem entendermos e sendo (teoricamente) recompensados na medida de nosso esforço, ou termos assegurado direitos mínimos de sobrevivência independente de nossa sorte pessoal, inclusive dividindo com nossos concidadãos a riqueza produzida, mas, talvez, não podermos criticar publicamente o governo ou não podermos comprar uma TV maior independente de trabalharmos mais?

Questão difícil sobre a qual eu mesma não cheguei a uma conclusão clara até hoje. Mas sobre uma coisa eu tenho menor dúvida: tanto ser livre para viver como desejar bem como ter um padrão mínimo de vida parecem ser anseios da grande maioria, assim como conflitos de interesse e insatisfação humana sempre existiram em todas as sociedades. O que sugere como é equivocado brigarmos por acreditar que exista uma forma perfeita de governo, ainda que tenhamos o total direito de pensar que uma seja melhor do que a outra. Só não parece que qualquer delas seja capaz de resolver todos os nossos problemas, simplesmente porque não parece que eles dependam todos apenas do modelo de governo sob o qual vivemos. Por isso, penso que aceitarmos a “imperfeição da vida” e debater de maneira mais racional possível, deixando nosso apego exagerado às nossas próprias ideias de lado seria mais eficaz para construirmos sociedades melhores para se viver – mas não perfeitas. Do contrário, seguiremos enfurecidos e divididos por muito tempo ainda. Haja saúde!

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.