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Histórias de Americana

Joana Zanaga, a primeira médica americanense

Notícia datada de 27 de dezembro de 1942 traz homenagem à doutora formada na Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro

Por Mariana Spaulucci Feltrin

13 de março de 2022, às 10h18

O elegante retrato de uma jovem mulher vestida com beca foi estampado na capa do jornal O Município, em 27 de dezembro de 1942. Um título em caixa alta acompanha a foto dizendo “honra ao mérito dr. Joana Zanaga”. Na notícia, o jornalista não identificado relata sobre a recepção da jovem, que retornava dos estudos na Universidade do Brasil, no Rio, para seu lar em Americana. Além de parentes, uma parte da sociedade americanense a recebeu com um chá no antigo Hotel dos Viajantes. Na calorosa recepção, a médica foi homenageada pelo pai, Aquilles Zanaga, e por outras mulheres, entre elas, a professora Delmira Marta de Oliveira.

Joana foi descrita na matéria como a filha “que herdou de sua progenitora as virtudes de uma perfeita dama, criada à sombra da religião cristã”, a moça que escolheu uma profissão árdua e que iria aliviar as dores físicas, consolar as dores morais e amparar o sofrimento dos enfermos conduzindo-os a Deus. Em outro ponto da notícia, foi relatado que a jovem “preferiu o convívio familiar de pessoas de sua amizade, o quieto e sossegado, e, portanto, mais propício aos estudos de moças, dirigido por Irmãs de Caridade”.

Pouco sabemos sobre a vida pessoal e acadêmica de Joana Zanaga, mas muito podemos analisar da narrativa sobre ela no jornal. O autor escolheu contar que Joana estudou longe de casa, contudo, manteve-se em um ambiente pudico, tal como sua criação cristã. Além disso, sugeriu que a profissão escolhida pela jovem era uma missão pessoal de devoção, deixando de lado o caráter vocacional e científico da mesma. Apesar do reconhecimento pela formatura, o que foi escrito sobre Joana evidencia mais uma vez a sociedade patriarcal brasileira que, apesar de receber com honras a primeira médica americanense, insiste em reafirmá-la moralmente como recatada e missionária.

Em outra perspectiva, o feito de Joana merece mais do que foi narrado. O censo demográfico realizado pelo IBGE em 1940 indicou que das 7.180.316 pessoas que viviam no Estado de São Paulo, haviam 3.509.711 mulheres, e, destas, apenas 2.683 possuíam grau superior de ensino. Ainda de acordo com o censo, os diplomas médicos somavam apenas 4.552 em todo o Estado, indicando o quão restrita era a profissão escolhida e conquistada por Joana Zanaga.

Devemos sempre lembrar que desde a primeira até a última página do jornal as notícias são impressas com as perspectivas de quem as conta. Por isso, o nosso olhar precisa ser treinado para desvelar intencionalidades nas diversas narrativas que compõem não somente os jornais, mas todas as formas de comunicação escrita, oral ou imagética. Assim, as “Joanas” e tantas outras mulheres podem ser reconhecidas de maneiras mais justas e igualitárias na nossa história e memória.

Mariana Spaulucci Feltrin
Membro do grupo Historiadores Independentes de Carioba, dedicado à pesquisa história sobre Americana

Historiadores de Carioba

Blog abastecido pelo grupo Historiadores Independentes de Carioba, que se dedica à pesquisa histórica sobre Americana.