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Histórias de Americana

De pés descalços

Maria de Barros é a única pessoa negra enterrada no arquitetônico mausoléu de uma família imigrante portuguesa branca no Cemitério da Saudade

Por Historiadores Independentes de Carioba

12 de abril de 2021, às 07h53 • Última atualização em 12 de abril de 2021, às 07h55

Filha de Samuel e Sebastiana, Maria de Barros repousa desde 23 de setembro de 1951 em lápide perpétua no Cemitério da Saudade, em Americana. Consta nos registros de sepultamento que ela faleceu viúva e com 86 anos, sendo sua data de nascimento supostamente em 1865. Maria é a única pessoa negra enterrada no arquitetônico mausoléu de uma família imigrante portuguesa branca, fato que me despertou para mais uma investigação histórica dentro do primeiro cemitério oficial da cidade.

Em relato oral recolhido em 2019, duas parentes que conviveram com a família descreveram Maria como “muito quieta, falava só quando necessário”. O jeito simples da suposta doméstica também foi ressaltado: “usava um tipo de camisola e andava descalça”.

De acordo com o depoimento, Maria tinha um quarto na residência, que ficava na Vila Rodrigues, em terras herdadas da matriarca portuguesa que também está enterrada no local. As parentes finalizaram a entrevista enfatizando que “Maria era muito amada por todos, sendo praticamente membro da família”.

Tendo nas entrelinhas informações que apontam para relações marcadas pelo passado escravocrata de Americana, a história de Maria de Barros demonstra-se complexa. O fato de que Maria não calçava sapatos indica, entre outros fatores como sua possível data de nascimento e profissão, a condição provável de uma escravizada liberta após 1888.

Também já tratamos nesta coluna sobre a vida de Dionyzio de Campos, o homem escravizado na Fazenda Salto Grande cuja foto de pés descalços e trajes simples no centro de Americana permaneceu pendurada por vários anos no Museu Histórico e Pedagógico Dr. João da Silva Carrão sem ter sua história contada.

Vale ressaltar que andar com sapatos no Brasil era, muitas vezes, símbolo de liberdade, havendo notícias de que escravizados libertos levavam seus sapatos a tiracolo por não conseguirem colocá-los devido aos desconfortos causados por uma vida inteira não os calçando. Nesse sentido, os pés descalços de Dionyzio e Maria nos contam muito sobre o passado, sendo eles os símbolos indeléveis da escravidão e das relações complexas que se desenvolveram no pós-abolição em terras americanenses.

Mariana Spaulucci Feltrin é membros do grupo Historiadores Independentes de Carioba, dedicado à pesquisa histórica sobre Americana

Historiadores de Carioba

Blog abastecido pelo grupo Historiadores Independentes de Carioba, que se dedica à pesquisa histórica sobre Americana.