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Alessandra Olivato

Falácias

Verdades podem ser bem azedas porque contrariam nossos interesses e quase todas carregam alguma subjetividade a partir da qual são construídas, o que não quer dizer que não seja verdade

Por Alessandra Olivato

28 de abril de 2021, às 07h00 • Última atualização em 28 de abril de 2021, às 10h44

Como sugeri em outra ocasião, quase toda verdade carrega alguma subjetividade a partir da qual é construída. O que não quer dizer que não seja verdade. Quando alguém diz “fulano me ofendeu”, pode ser que nenhum dos presentes à suposta ocorrência concorde, mas uma vez que o ofendido não esteja fingindo, do seu ponto-de-vista a ofensa existiu, sendo para ele uma verdade.

Também existem as mentiras. Nossa vida é cheia delas e com exceção daquelas mais sérias, pequenas mentiras colaboram para a harmonia social. Muitas vezes recorremos a elas para não magoar desnecessariamente alguém ou para nos livrarmos de uma situação. É o caso de um amigo que nos convida para sair sábado à noite e ao invés de simplesmente dizer que não queremos ir porque isso o magoaria, alegamos aquela dor de cabeça chata. Pronto. Não causamos grande prejuízo ao destinatário da mentira e resolvemos um problema.

Além das verdades e mentiras, existe um tipo de afirmação falsa com o intuito de enganar ou simplesmente derivada de um equívoco. “Fulano come só comida natural, ele é muito saudável”, “Toda loira é burra” ou “Minha avó fumou e bebeu a vida inteira e viveu até 100 anos, não faz mal fumar e beber!” São as falácias. A palavra deriva do latim fallere e refere-se a uma construção incorreta de argumentos, baseada em uma lógica incoerente e em um raciocínio frágil que leva a uma conclusão falsa da qual o próprio autor por vezes não tem consciência.   

Muita discordância e confusão em relação a vários assuntos devem-se muito mais à enxurrada de falácias criadas por todos nós. O senso comum é cheio delas. Bombardeado de informações dos noticiários e opiniões compartilhadas nas redes sociais e aplicativos de comunicação e distribuídas sem filtro algum, boa parte da população divulga-as colaborando para boatos sem comprovação alguma, maledicências generalizadas e conclusões até mesmo absurdas.

Há vários tipos de falácias, mas uma das que me chama mais a atenção é a da falsa relação de causa e efeito, isto é, tomam-se dois eventos que ocorrem juntos ou seguidos um do outro e se lhes atribui uma relação incorreta de causa e efeito. Um exemplo é o da cor da roupa na virada do ano: vou usar amarelo e nesse ano vou ganhar dinheiro. Não que essa coincidência não possa ocorrer e tampouco é inegável a influência que as cores exercem, não fosse assim publicitários e empresários não se utilizariam delas em seus negócios. Mas, como toda falácia, a crença no determinismo da cor usada no Ano-Novo revela sua fragilidade. Afinal, todo mundo que usou amarelo ganhou dinheiro ou todo mundo que usou branco teve paz? Não. Então, ela não determina como será nosso ano.

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Essa é uma falácia sem grandes consequências, enquanto algumas têm desdobramentos importantes. Como no caso de justificar maus hábitos por causa da avó que bebeu e fumou e viveu até os 100 anos ou do avô que comeu gordura a vida inteira e morreu com 90. Ocorre que nossa longevidade é influenciada por vários fatores e não apenas a alimentação. Tem a genética, tem a exposição ao estresse e à poluição, comportamentos abusivos ou imprudentes, entre outros. Assim, é mais correto afirmar que a alimentação influencia nossa saúde, mas não determina sozinha o quanto vamos viver. E isso não é uma falácia, é a conclusão de dezenas de pesquisas que estudam o impacto dos alimentos no organismo humano, a propensão a doenças etc. Então a conclusão de que beber, fumar ou comer mal não faz mal à saúde cai por terra.

Ultimamente estamos vivendo um momento sui generis de falácias devido à pandemia, como ideias sobre tratamento precoce, comparações ilógicas entre os países no enfrentamento da crise, bem como sobre o papel dos governantes. Lamentável verificar, inclusive, que há falácias criadas intencionalmente por pessoas que formam opiniões e por profissionais responsáveis por noticiar informações, muitas vezes por simples interesse ideológico ou para vender a verdade de seu grupo. Isso em qualquer época, não apenas agora.   

Alguns afirmam, por exemplo, que o presidente é um genocida. Entendo isso como uma falácia. É óbvio que ele é responsável pelas políticas de saúde, é óbvio que tem responsabilidades ao defender o tratamento precoce ao coronavírus ou sair sem máscara em público porque suas atitudes influenciam uma parcela da população. Mas o fato é que não influenciam todo mundo, o fato é que as contaminações não são causadas diretamente por ele, o fato é que não foi ele que trouxe o vírus para o País. Logo, afirmar que ele inclusive arquitetou as mortes é uma falácia ideológica. Também considero uma falácia afirmar que o governador é o único culpado pela falência de empresas porque para isso contribui uma crise econômica que se arrasta há anos e que não permite à maioria dos empresários brasileiros trabalhar com um caixa adicional, além de uma política de tributação pesada, entre outros fatores.

Difícil dizer isso publicamente porque poucos entenderão que não se trata de negar as responsabilidades de ambos nem o peso da política, que impacta diretamente em nossas vidas. Trata-se apenas de evitar uma incitação a ódios desnecessários que nos dividem e nos enfraquecem. Verdades podem ser bem azedas porque contrariam nossos interesses. Como a grande maioria, os erros do presidente e do governador não só na crise atual mas também em outros campos já são suficientes para perderem muitos votos nas próximas eleições, mas não me parece correto responsabilizá-los pelas mortes ou por todos os problemas. Mas essa atitude é bastante compreensível porque sempre é muito mais fácil achar um culpado por uma situação do que reconhecer que há muitos responsáveis por ela, é muito fácil creditar ao próximo presidente ou governador a resolução para todos os nossos problemas ao invés de admitirmos que o destino do País é responsabilidade de todos.

E você? Acredita que tudo o que te falam é verdade, ou acha que tudo é mentira? Comece a perceber, às vezes nem uma nem outra, mas sim uma falácia.

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.