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Estúdio 52

Por que as cigarras aparecem tanto nos animes?

Motivo vai além da escolha estética e envolve tanto a cultura do Japão quanto um fator biológico desses insetos

Por Maíra Torres

30 de novembro de 2021, às 17h24

Neon Genesis Evangelion, One-Punch Man, Tonikawa, Golden Time, Pokemon, Classroom of the Elite, Dragon Ball, My Hero Academia. Não importa o gênero ou a temporada, o que todos esses animes, dentre outras centenas, tem em comum, é a presença do som de cigarras em pelo menos alguns segundos de tela.

Não precisa nem ser otaku para perceber que o famoso canto desses insetos é algo comum nas animações japonesas, principalmente quando a história se passa no verão. O que poucos sabem, no entanto, é o motivo pelo qual essas cenas são tão frequentes.

No Japão, o ciclo de vida das cigarras é diferente do ciclo daquelas encontradas no Brasil e, mais ainda, das vistas nos Estados Unidos, por exemplo. Em terras tupiniquins, o alto canto de acasalamento é escutado com a chegada da priamvera, em setembro em outubro. No Japão, começa a partir de março, com a chegada da primavera por lá, se intensifica no verão e começa a desaparecer no outono, ou seja, em três das quatro estações do ano.

Isso acontece porque o ciclo de vida da ninfa Graptopsaltria nigrofuscata, espécie mais comum em terras japonesas, está diretamente ligado às temperaturas e estações do ano. Já no Brasil, o ciclo de vida da espécie Carineta fasciculata está mais relacionado com a umidade presente na atmosfera. Quanto maior a umidade, maior a ocorrência de cigarras.

Nos Estados Unidos, famoso pelo desenvolvimento “tardio” das ninfas da cigarra, que pode durar até 17 anos, as Magicicada spp. estão ligadas à seiva das plantas que consomem. Quanto mais doce a glicose que flui pelos tecidos condutores, maior a chance de emergir.

Independentemente da espécie, toda cigarra põe sua massa de ovos em galhos e plantas que caem no chão e ficam encobertas pela terra. Lá esses ovos eclodem e se desenvolvem, já com aparência adulta, mas sem asas desenvolvidas ou sistema reprodutor amadurecido, até que o fator ambiental, particular para cada espécie, seja a umidade, a temperatura ou a alimentação, faça com que emerjam da terra.

O canto começa na fase adulta, com a vibração de uma membrana localizada no abdômen e que serve para chamar a atenção da fêmea no período de reprodução. Assim como os humanos, cada espécie tem seu canto diferente, tanto em ritmo como em decibéis – algumas, aliás, só são ouvidas por cachorros, por conta do tipo de frequência que emitem. O exibicionismo sexual é mais comum durante o dia, já que elas são animais diurnos e usam a luminosidade como “relógio biológico” para acasalar.

Mas somente a taxonomia curiosa e única de cada cigarra não é o suficiente para colocá-las em –tanta – cena nos animes. O motivo desses momentos nos desenhos, muitas vezes, é porque o canto das cigarras desperta um sentimento de calmaria, nostálgico e acolhedor, talvez característica cultural do povo japonês.

Moto Sakashita, aposentado de 72 anos, que veio de Saga, ao sul do Japão, em 1974 para a cidade de Mogi das Cruzes, exemplifica esse sentimento. “No verão, a cigarra canta, [e a gente pensa] ‘ah chegou o verão’. Quer dizer que o frio passou e já pode sair de casa. Dependendo do lugar, ela canta diferente. Tem uma que aparece à noite e que parece um sino”, relata.

Ainda há a cultura entre as crianças do Japão de sair de casa para procurar as cascas das cigarras, abandonadas por estarem pequenas. O costume, arraigado desde a infância, fica, portanto, explícito nos animes e desperta, até mesmo em que não é japonês, o sentimento, quando escuta o canto de cigarras, de que “é verão”.

Anime Suzumiya Haruhi no Yūutsu – Foto: Divulgação

“A cigarra é algo que impulsiona as famílias a saírem para os parques, passearem e se divertirem. Minhas alunas japonesas me explicaram que elas sentem que é uma energia extra que está chegando ao ambiente. Aqui no Brasil, as cigarras também cantam, mas nós acabamos ficando dispersos em relação ao som e não damos essa mesma importância”, explica a bióloga Maria Santina de Castro Morino, professora do Núcleo de Ciências Ambientais da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), doutora em zoologia e especialista em insetos sociais.

Há, claro, quem se incomode com o barulho. Nesse caso, é possível apontar apenas um culpado, segundo Morino: os próprios humanos. Com a invasão cada vez maior do ambiente pelo homem, os animais que antes estavam em seu habitat natural foram obrigados a se adaptar e, no caso das cigarras, por vezes, substituir os galhos de árvores secos por postes velhos de madeira.

“Nosso país é biodiverso e, infelizmente, a nossa população não tem conhecimento dos impactos ambientais sobre as cigarras e outras espécies animais ou vegetais. Um exemplo, é a ausência, em diversos meios de comunicação, de informações sobre cigarras que habitam o Brasil. Elas não prejudicam o ambiente e são importantes para as interações biológicas como um todo”, defende a zoóloga.

Na realidade, as “semi” – cigarras em japonês – têm sua própria importância biológica e ecossistêmica, colaborando com os fungos e bactérias para o início das atividades de decomposição, ao pôr os ovos em elementos naturais, e servindo de alimento a aves e répteis.

Nos animes, além da estética e do espírito, as cigarras também podem adquirir funcionalidade técnica. Em algumas comunidades nas redes sociais, a quantidade de cenas com as cigarras em animações como Neon Genesis Evangelion, por exemplo, já virou piada.

As cenas de luta entre mechas gigantes pela salvação da humanidade, sem poupar o teor de sangue e socos, são intercaladas ou precedidas por cenas calmas de ambientes urbanos com a presença do canto de cigarras. Isso, aliás, pode ser visto como um artifício usado na produção da animação para mostrar que os embates mais violentos e decisivos para a humanidade acontecem em dias normais.

A cultura de cada país explica muito o estado de espírito de seu povo. Os animes, de certa forma, trazem à tona a representatividade do canto das cigarras para os japoneses. No meio de todo tipo de cena, é esse canto que ganha o poder de dar àqueles que o assistem a sensação de paz e liberdade.

Maíra Torres

Repórter do Liberal, produtora do Gold Morning e apresentadora do Resumo Gold na FM Gold. Entusiasta de animações desde que aprendeu a abrir os olhos e otaku recém-nascida. A doida que assiste três filmes seguidos no cinema.

Estúdio 52

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