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Alessandra Olivato

Diamantes

A história de João é a de milhares de brasileiros que, mesmo não tendo ido à capital francesa, souberam aliar esforço individual e oportunidades

Por Alessandra Olivato

12 de maio de 2021, às 08h48 • Última atualização em 12 de maio de 2021, às 08h51

Um veículo de comunicação destacou esses dias a história de João Diamante, que já chama a atenção da mídia há algum tempo não apenas por ser um dos mais novos talentos da gastronomia brasileira mas também por ser negro, de origem pobre e nordestino. João trabalhou como feirante, vendedor de produtos de limpeza, com manutenção de piscina, entre outros bicos de que se ocupou para ajudar a família antes de descobrir o gosto pela cozinha e ganhar um estágio em Paris com um chef mundialmente reconhecido.

A história de João é a de milhares de brasileiros que, mesmo não tendo ido à capital francesa, souberam aliar esforço individual e oportunidades. Brasileiros que, como o chef nordestino, têm qualidades que esquecemos de ressaltar, ocupados que estamos em nos autodepreciar. Refiro-me a esforço, persistência, resiliência. Que enfrentam adversidades diárias e correm atrás de bolsas de estudo, cursinhos gratuitos, programas de incentivo e empresas que investem nos funcionários para buscar uma vida melhor. Uma história à qual muitos ainda fazem vistas grossas apenas para reafirmar uma ideologia que nega o fato de que o ser humano floresce quando tem oportunidades, de que o melhor padrão de vida dos chamados países desenvolvidos deve-se principalmente a oportunidades mais abrangentes de estudo e de uma condição material que permitem a uma parcela majoritária de suas populações desenvolver seus talentos, sem que passem a vida preocupando-se apenas em sobreviver.

O pensamento mais radical que nega esse tipo de história no geral é avesso a programas sociais e políticas públicas. Nos idos da juventude quando eu pendia bastante pro outro lado ideológico, tive a oportunidade de conviver com pessoas que pensam dessa forma e, com o tempo, passei a compreendê-las. Uma parcela da sociedade brasileira teve a oportunidade de ter um ponto de onde começar, fosse um negócio da família, um aporte monetário ou uma boa condição de estudo. Além desses, outros um pouco menos afortunados tiveram uma ótima estrutura familiar, que lhes permitiram colocar-se frente a oportunidades favoráveis. Parte desses dois grupos foi socializada com a crença de que o trabalho desde cedo e o esforço próprio é que conduzem ao sucesso. E, por sua vez, parte desses criou um conceito desfavorável em relação àqueles que, segundo sua percepção, passam a vida dependendo de outros, os chamados “folgados”, “acomodados”, “incapazes”.

Na outra ponta ideológica, ocorre o contrário: acredita-se que todos os que apresentam uma condição privilegiada, principalmente se forem empresários, são exploradores selvagens, em uma generalização que coloca micros, pequenos, médios e grandes empreendedores no mesmo saco, esquecendo-se que igualmente o são a D. Maria da coxinha e o seu Zé do espetinho que puseram a família toda pra trabalhar. Observa-se que quanto mais forte é essa indignação maior é a dificuldade de perceber que muitos dos que “venceram na vida”, inclusive já vindos de famílias ricas, são pessoas que trabalham tanto quanto a analista dos recursos humanos em final de ano ou o padeiro da esquina. Alguns inclusive reconhecem apenas esses de trabalhadores, como se aqueles não fossem.

Verdade é que nenhum dos dois lados está totalmente certo nem totalmente errado, o que nos leva a reafirmar que a unanimidade ou a radicalidade são sempre simplistas. Convivi com pessoas de origem muito privilegiada que aproveitaram a boa sorte familiar mas caminharam com seus próprios pés, e outros que têm emprego falso com carteira assinada na empresa da família e nunca produziram nada. Conheço outros tantos que criticam o dono da empresa onde a mulher trabalha, vivem recorrendo à ajuda do Estado e passam o dia discursando sobre sua derradeira posição de vítima. E conheço um monte de Joãos e Marias diamantes que prosperam a partir das oportunidades que cavam com unhas e dentes.

De qualquer forma, é muito difícil prosperar a partir de uma situação de miséria como também de uma família totalmente desestruturada, que carrega problemas por gerações. Nesse sentido, acreditar que só o esforço individual é o suficiente é equivocado no geral dado que as oportunidades não são iguais nem aqui nem em nenhum lugar do mundo, mas também compreende errado quem reza na direção do túmulo de Karl Marx cada vez que fala ouve as palavras empresário ou “mercado”.   

Infelizmente devido a esses grandes equívocos irresponsavelmente divulgados por muitos dos que têm acesso aos holofotes midiáticos, o Brasil se tornou um celeiro de grande ressentimento social. Uma pena.

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.