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Histórias do Coração

Desconhecidos argentinos

Estar em um lugar completamente novo, que não me traz nenhuma memória é uma oportunidade para poder ver as coisas como elas são

Por Carla Moro

23 de janeiro de 2022, às 08h09 • Última atualização em 23 de janeiro de 2022, às 08h10

Uma amiga muito querida costuma brincar dizendo que o mundo tem apenas duas mil pessoas, todas as outras são coadjuvantes. O que ela quer dizer com isso é que nos conhecemos a todos, de uma maneira ou de outra.

Sempre há alguém que conhece outro alguém que, por fim, nos conhece também. Em Americana, essa frase me parece ainda mais verdadeira, já que todos somos amigos de alguém, que estudou com outra pessoa ou é primo ou filho de um outro alguém conhecido na cidade. A perspectiva de vir para a Argentina e andar pelas ruas sem conhecer absolutamente ninguém, então, me pareceu maravilhosa.

Andar por um lugar sem ver rostos conhecidos pode ser assustador para a maioria das pessoas, mas não para mim. Estar em um lugar completamente novo, que não me traz nenhuma memória (seja ela boa ou ruim) é uma oportunidade para poder ver as coisas como elas são, e isso inclui também as pessoas e, claro, eu mesma.

Já conheci alguns estranhos interessantes aqui: o padeiro que sempre coloca medialunas (uma espécie de pãozinho doce) a mais no meu pedido ou o vizinho de cima que canta enquanto toma banho entres dez e onze da noite todos os dias, por exemplo. No sábado, contudo, enquanto passeava pelo Museu Nacional de Belas Artes, me deparei com dois estranhos que me emocionaram: Paolo e Francesca, o casal que compõe a escultura O Beijo, do Rodin. Eu já conhecia a escultura, mas não sabia que ela estava ali, bem onde eu também estava.

O Beijo, de Auguste Rodin – Foto: Carla Moro / Divulgação

Auguste Rodin foi um escultor francês e O Beijo data de 1882. Inicialmente, essa escultura fazia parte de um projeto maior: Rodin criou mais de 200 peças inspiradas na obra Divina Comédia, de Dante Aliguieri. Este clássico da literatura italiana é dividido em três partes: Paraíso, Purgatório e Inferno. Rodin criou suas peças justamente para o Inferno.

A escultura com que me deparei no museu é a representação do amor proibido. O casal está nu e despojado de qualquer identidade. São dois estranhos, sobre os quais sabemos apenas os nomes. Nas mãos do homem é possível ver o livro com o Canto V, do Inferno.

Todos os amantes são antes dois desconhecidos, dois estranhos que, por uma infinidade de motivos, interessam-se um pelo outro. Ainda que antes do romance acontecer fossem amigos, como outras histórias que já vimos por aqui, enquanto amantes, se desconhecem. E o desconhecido pode ser assustador para a maioria das pessoas.

A beleza do amor, assim como da arte, acredito, vem do reconhecimento. Observei, emocionada, a escultura do Rodin, porque reconheci nela o ato primeiro de expressão do amor. No beijo, reconhece-se o amor. No meio do Museu Nacional de Belas Artes da Argentina, era possível reconhecer o amor. A escultura poderia estar em qualquer outro lugar do mundo, mas ainda sim qualquer pessoa que passasse por ela, mesmo que brevemente, continuaria vendo o amor.

Absolutamente tudo o que eu vi naquele sábado que visitei o museu, eu nunca tinha visto antes, com exceção do amor. A Argentina e suas ruas podem ser agradavelmente desconhecidas para mim, mas o amor, felizmente, é possível de ser reconhecido em todos os lugares.

Carla Moro

Formada em Letras pela Unesp, Carla Moro faz neste blog um registro da trajetória dos casais! Quer sugerir sua história para a coluna? Envie um e-mail para colunahistoriasdocoracao@gmail.com