19 de abril de 2024 Atualizado 22:12

8 de Agosto de 2019 Grupo Liberal Atualizado 13:56
MENU

Publicidade

Compartilhe

Alessandra Olivato

Desabafo

Por Alessandra Olivato

18 de agosto de 2021, às 08h34 • Última atualização em 18 de agosto de 2021, às 08h44

No final de 2020 um pequeno prédio de três andares foi alugado na rua detrás de casa para uma nova igreja, com cultos às quartas-feiras, sextas, sábados e domingos. Os cultos começam por volta de sete horas da noite e são caracterizados por música ao vivo acompanhada de canto dos fiéis (ou irmãos) e a pregação do pastor, o que é feito boa parte do tempo com microfone e num tom bastante alto e animado. Para falar a verdade, a pregação é surpreendentemente alta em alguns momentos. O fundo da Igreja onde fica o palco e a banda dá exatamente para o fundo da minha casa, distante uns vinte metros. No espaço ao fundo e mais próximo da igreja há outros dois comércios e a casa do nosso vizinho, que tem sono pesado e cujo quarto é voltado para a rua da nossa casa.

Desde o início das atividades religiosas no final do ano passado o barulho nos incomodou. A bateria parecia estar dentro da nossa cozinha, além de ouvirmos quase todo o ensinamento do pastor, tão alto era o som. Apesar de o barulho incomodar bastante, decidimos esperar para ver o que aconteceria, não apenas porque respeitamos a maneira como cada um louva a Deus, como era o começo e pensamos que ainda estavam se adaptando ao prédio e talvez fazendo alguns ajustes. Desse modo, ficamos de dois a três meses convivendo com o som alto dos instrumentos e da pregação aos domingos além das sextas e sábados à noite, dias em que os cultos terminavam entre 23h e meia-noite.

Passado esse primeiro período sem nenhuma melhora e bastante incomodados com o barulho, resolvemos ir falar amistosamente com os responsáveis. Fomos recebidos educadamente. Esclarecemos que o culto parecia estar dentro de nossa casa, que minha mãe inclusive não conseguia dormir algumas noites e que não tínhamos nada contra a religião, mas sim com a hora em que terminavam as atividades. Optando pela sinceridade como um mecanismo para criar empatia e confiança mútua, admitimos que o barulho incomodava em qualquer horário por ser muito alto, mas que poderíamos conviver com ele se fosse até um horário razoável, como dez da noite. Para quem aprecia muito o silêncio, é um esforço considerável! A que o pastor respondeu que teríamos que esperar de três a quatro meses para que pudessem fazer a reforma necessária, haja vista que ficava muito caro – cerca de R$600 nas palavras dele – para abafar o som da bateria. Imediatamente me veio à mente o quanto devem pagar de aluguel naquele prédio em uma das principais avenidas da cidade, mas tudo bem. Não criamos caso.

Nos dois ou três meses seguintes, com o som da pregação e da bateria ainda muito altos e os cultos terminando depois das 23h, chegando um sábado até uma hora da manhã, chamamos a guarda ambiental para fazer a medição dos decibéis e tirarmos a dúvida sobre nossa percepção, porque poderíamos também estar enganados. Mas não, em ambas vezes os decibéis ultrapassaram o permitido por lei e assim a igreja foi notificada duas vezes. Vale ressaltar que não foram duas vezes em duas semanas, o que poderia revelar uma implicância e uma falta de esforço de nossa parte em esperar por uma melhora, mas entre elas fomos novamente pedir pela compreensão e solicitar uma solução, não apenas não sendo atendidos e nem compreendidos como ter ouvido a sugestão de que eu, a porta-voz da família, estava agindo motivada por “perseguição religiosa”.

De qualquer forma, depois da segunda notificação recebida, algo foi feito pois o som da bateria diminuiu muito, sem nos incomodar mais, mesmo ainda ouvindo de fundo. Já a pregação continua bem alta, mas pelo menos não chegava ao ponto de entendermos o que o pastor falava. Então resolvemos aceitar esse meio-termo, afinal queríamos evitar de qualquer jeito alguma discussão mais acirrada ou um problema mais duradouro, já que nosso intuito sempre foi apenas termos conforto sonoro dentro de nossa casa!

Isso foi até uns três meses atrás, quando não apenas os cultos às sextas e sábados começaram a ultrapassar a meia-noite como começaram a ser seguidos de algo como confraternizações. Não estivemos na igreja para saber exatamente quais, mas me aprece que já houve churrasco, festa de aniversário, festa junina e outros eventos em que os fiéis permanecem no prédio até uma a uma e meia da manhã. Ocorre que os andares e a garagem onde ocorrem as confraternizações parecem ser bastante vazios, então todo o som, seja de música, de conversas e risadas altas como, também, das brincadeiras das crianças e dos jovens – como é típico da idade – ecoam dentro de nossa casa. Até o momento em que a última pessoa vai embora, não conseguimos dormir.

Admito que o tipo de culto da referida igreja nos incomoda seja pela altura sonora da pregação seja pelo horário de término dos cultos. Mas ocorre que eu tenho um senso de democracia muito forte, além de bom senso e profundo respeito à fé alheia, até porque considero a religiosidade e espiritualidade das coisas mais importantes da vida. O barulho da igreja incomoda em qualquer horário e dia, mas somos capazes de conviver com isso se houver um limite de horário. Além disso, uma vez que se passou a fazer confraternizações após os cultos – para não dizer festas, pura e simplesmente, acredito que altera-se a caracterização e a finalidade para a qual o prédio foi alugado. Além disso, me pergunto: não seria emblematicamente anticristão quando a sua prática religiosa prejudica outras pessoas?

O que fazemos agora? Entramos em um conflito que pode durar sabe-se lá quanto tempo e desgastar a ambas as partes, correndo ainda o risco de sermos acusados de intolerância religiosa ou aceitamos simplesmente? Minha mãe, que já é uma senhora, tem tomado remédio pra dormir nos dias de culto. Fica aqui meu desabafo mais racional e sincero possível.

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.