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Alessandra Olivato

Contradição e incoerência

Incoerência tem crescido nos últimos anos justamente entre alguns dos que mais criticam-na no outro

Por Alessandra Olivato

11 de agosto de 2021, às 09h05

“Eu prefiro falir com dignidade que ir contra meus princípios. Se você apoia tanto seu presidente, posicione-se também em suas atitudes e não venha mais aqui. Cliente fascista é livramento”, são as palavras de Giovanna, dona de um bar em Curitiba. A curitibana resolveu dar uma entrevista a um veículo de comunicação para esclarecer seu posicionamento político de reprovação pública ao atual governo, após, segundo ela, sofrer preconceito e piadas por ser de esquerda e ter uma namorada. Nas sacolas de papel em que entrega seu produto em domicílio, vai escrito “Fora Bolsonaro”. Giovanna ainda declara corajosamente que não fará nenhuma falta o cliente que apoia um presidente genocida.

Em minha sempre declarada humilde e parcial opinião, Giovanna como muitas pessoas afins à corrente político-ideológico de esquerda, tem errado um pouco no tom de seus posicionamentos. O que tem me feito tecer algumas críticas a essas posições ultimamente é a impressão de revelarem um aspecto que lamento não apenas na defesa radical de ideologias, mas em relação a todas as ações humanas: a coerência. Dito isso, a incoerência, para mim, sempre foi uma característica mais afeita às pessoas de ideologia de direita, sobretudo as mais radicais. Mas como o leque de ideias e princípios é amplo entre todas as pessoas que se posicionam aqui ou ali, e como eu compreendo racionalmente essa incoerência, nunca foi muito surpresa. Entretanto, a incoerência tem crescido nos últimos anos justamente entre alguns dos que mais criticam-na no outro: os esquerdistas (lembrando, nem todos).

A primeira incoerência que o posicionamento e as declarações de Giovanna sugerem é o de considerar fascistas todas as pessoas que são de direita, o que não corresponde à verdade e análogo ao equívoco dos que consideram que toda pessoa “de esquerda” é comunista, vai “tomar” sua casa ou incendiar sua plantação. Então essa é a primeira grande contradição de Giovanna e de muitas pessoas que ela representa, a de fazer uma generalização que parte para o estereótipo sobre pessoas que pensam diferente, estereótipo esse que quase sempre tem expressado um preconceito pura e simplesmente. E, bem, sabemos que “ter preconceito” é uma das atitudes mais duramente criticadas pelo pensamento de esquerda.

A outra contradição de Giovanna é que gerou uma discriminação, que é a consequência indesejada do preconceito. E eu devo ser coerente com o fato de que, se vivemos em uma democracia e o seu negócio é um bem privado, ela tem o direito de decidir as regras de seu funcionamento – ainda que exista aqui uma ambiguidade entre público e privado que complica o caso. Mas a questão aqui é que sua atitude preconceituosa e discriminatória provavelmente não corresponde a uma aceitação do contrário: se um comerciante de direita colocar em sua porta um aviso “aqui não atendemos quem votou em tal partido na eleição passada”, não é pouco provável que em menos de uma semana seu estabelecimento fosse depredado de alguma forma.

Como já disse outras vezes, pela minha formação ainda tenho várias afinidades com o pensamento de esquerda, mas é crescente a decepção com ações, atitudes e declarações claramente contraditórias ao que o pensamento mais humanista sempre defendeu como a busca de entendimento pelo diálogo, a política limpa, a não estigmatização de indivíduos ou grupos, a tolerância e, sobretudo, a aceitação da diferença. Obviamente que quaisquer posicionamentos extremistas que levem à violência devem ser combatidos, mas sinceramente eu me pergunto por que é que chegamos a esse estado de coisas em que se se ofende por tudo, ou em que toda ofensa, mesmo sendo legítima, leva a radicalismos como esse.

A popularização do posicionamento de Giovanna multiplicou em quase dez vezes o número de seguidores nas redes sociais e aumentou a frequência do bar o que, segundo ela, permitirá tirar um salário digno ao final do mês. Que bom. Aumento dos lucros e mais dinheiro no bolso, consequências capitalistas muito bem-vindas mesmo para uma esquerdista.

Minha opinião é apenas uma opinião, sinto-me feliz de poder me expressar assim e de Giovanna também poder fazer o que quiser com o seu bar. Viva a democracia! Mas que estamos criando muitas batalhas desnecessárias e quase no limite do fútil, estamos.

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.