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Histórias do Coração

Cida e Álvaro

O amor não entende de términos, justamente porque quando os términos acontecem, é porque o amor não está mais presente

Por Carla Moro

15 de agosto de 2021, às 09h09

Essa história acabou em um segunda-feira, dia 4 de outubro de 1999. A Cida me diz que se lembra da data porque era também aniversário da filha. Desde então, todos os anos, a Cida dá os parabéns à filha, para, em seguida, sentir o aperto da partida do Álvaro.

É preciso não enganar o leitor e deixar registrado que os nomes são fictícios, embora os acontecimentos sejam muito reais. E, por conta da realidade, que sempre pesa mais que uma história inventada, também não há fotos. Não aqui, pelo menos. A Cida me mostra, enquanto conversamos, um retrato do casal. Eles estão sentados em um banco na Praça Comendador Müller. É possível ver a fonte ao fundo. A Cida estava de vestido, com as mãos cruzadas em cima das pernas. O Álvaro usava uma calça social verde e uma camisa bege, uniforme dos motoristas de ônibus de uma empresa aqui da cidade.

Essa história começou também em uma segunda-feira. A Cida se lembra da data porque precisou trabalhar, mesmo sendo dia 2 de janeiro. Quando entrou no ônibus, ela viu o Álvaro. Ele era o novo motorista da linha.

Nenhuma história de amor começa com prazo para terminar, embora muitas delas estejam fadadas ao fracasso. Começamos um relacionamento desejando que ele dure muito tempo, torcendo para que o amor aconteça. O amor não entende de términos, justamente porque quando os términos acontecem, é porque o amor não está mais presente; pelo menos não para aqueles que decidem ir embora.

O ônibus ia vazio naquelas primeiras semanas do ano. O Álvaro aproveitava a calmaria para puxar assunto. Queria saber o que a Cida fazia para viver, onde morava. Às vezes, comentava do calor para, depois de alguns dias, convidá-la para um sorvete ali na praça mesmo, no fim do expediente. Teve um dia que a Cida aceitou. Foi o dia do retrato.

Por quatro anos, a Cida e o Álvaro se encontravam antes do expediente e depois também. Às sextas, o encontro durava mais. Aos fins de semana, ele sumia. Em outubro de 1995, ela resolveu que era o momento de apresentá-lo à filha: o aniversário da menina foi a ocasião. A festa foi a primeira em que o Álvaro não apareceu, mas não foi a última. Alguma coisa sempre acontecia: a mãe doente, o trabalho de última hora, um imprevisto.

Naquela manhã de 4 de outubro de 1999, a Cida viu outro motorista no ônibus que pegava todas as manhãs em dias úteis. Levou um susto. Será que o Álvaro estava doente? Ela se lembra da data porque era aniversário da filha. E nesse aniversário, o Álvaro disse que compareceria. Foi o cobrador que deu a notícia: ele tinha se mudado com mulher e filhos para outro estado. Mulher e filhos que, claro, a Cida não sabia que existiam.

Muitas histórias de amor estão fadadas ao fracasso, só não conseguimos enxergar. Embora a Cida desconfiasse dos sumiços do Álvaro, o tempo foi passando e ela queria muito que aquele amor crescesse. Se as histórias de amor já viessem com a data de término, ainda sim decidiríamos por vivê-las? Mas o amor da Cida não entendia de términos, justamente porque naquela manhã não foi ela quem decidiu ir embora.

Carla Moro

Formada em Letras pela Unesp, Carla Moro faz neste blog um registro da trajetória dos casais! Quer sugerir sua história para a coluna? Envie um e-mail para colunahistoriasdocoracao@gmail.com