Cotidiano & Existência
Carta à Jocelyna Medon Bianco
Por Gisela Breno
17 de setembro de 2024, às 08h59 • Última atualização em 17 de setembro de 2024, às 09h00
Link da matéria: https://liberal.com.br/colunas-e-blogs/carta-a-jocelyna-medon-bianco/
Na sexta-feira fui lhe dar o último adeus. Embora com o coração destruído pela passagem da minha mãe, sua cunhada Didinha, que resolveu partir no sábado, escolhi uma roupa bonita, acessórios combinando, e me perfumei. Nada que chegasse perto da sua elegância, mas fiz questão de me arrumar, pois se fosse o contrário, a senhora também o faria.
Não quero falar das suas qualidades e características já conhecidas por todos que tiveram o privilégio de sua convivência, nem expressar mais uma vez minha gratidão por tudo que a senhora e o tio ofereceram a mim e à minha família.
Estas linhas guardam confissões. A primeira: a senhora teve sete cunhados, e não houve um que não tenha sido ajudado por vocês. Se já não é mais regra filhos ajudarem pais e vice-versa nesse mundo encharcado pelo ter e pelos egoísmos, imagine uma mulher concordar que seu marido oferecesse casas, dinheiro, tratamentos médicos, viagens… aos familiares dele.
Por falar em viagem, graças a vocês (e vou usar “vocês”, pois sei que um não seria o que foi sem o outro), compadecidos com aquela adolescente entristecida pela internação de seu amado pai numa clínica psiquiátrica, não somente a acolheram por meses em sua casa, mas também a levaram para a inesquecível ida a Foz do Iguaçu, onde eu e o Breno nos apaixonamos à primeira vista.
A senhora veio me falar, discretamente, para tomar cuidado, pois ele tinha saído de um relacionamento longo e talvez eu pudesse ser apenas uma aventura. Felizmente, ficamos 43 anos juntos, e ele foi a pessoa que mais me compreendeu nesta vida.
Ah, por falar nesses meses morando com vocês na casa da Rua Ari Meireles, sei que a senhora nem se lembra desses momentos. Caridade é assim mesmo, “não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita”. Mas, dentre tantas generosidades, essa eu enxergo com detalhes. Desejando entrar na Unicamp, ia para Campinas de trem logo pela manhã para estudar duramente no Cursinho Mac Poli.
Diariamente, a senhora se levantava antes das suas meninas acordarem, me nutria com um delicioso café da manhã e colocava em minha mão um dinheiro enroladinho para eu passar o dia. Tia Joyce, aquele valor era muito, mas muito mesmo, para aquela menina sem recursos financeiros, mas que, saboreando gostosuras da Loja Americana do Facca Bar, podia esquecer momentaneamente a tristeza que carregava em seu ser naqueles momentos difíceis da existência.
A senhora sabia; eu lhe falava que não precisava me dar dinheiro todos os dias. Entretanto, enquanto estive com vocês, a senhora realizou esse lindo ritual. Tenho certeza de que o fez em segredo, seguindo apenas o seu coração.
Poderia me alongar, mas sei que está muito ocupada aí no céu. Acho que nem tempo terá para enrolar papeizinhos. Imagino como foi emocionante o encontro com o tio Jessyr, pois se a senhora aqui vivia grudadinha nele, agora terão a eternidade para contemplar tudo que construíram, principalmente a família maravilhosa, que receberá ainda mais bênçãos e intercessões, pois vocês estão face a face com Deus.
Despeço-me com um sentimento profundo de gratidão e lhe peço um favor: diga para a Didinha que ainda choraremos de tristeza, mas que ela está ainda mais presente em nossas vidas, assim como a senhora na da sua família. Disse isso para a Juliana e tenho certeza de que é mais uma delicadeza de Deus para nós.
Abrace também meu amado e doce pai, diga ao Breno, embora ele saiba, que não há um dia que passe sem pensar nele. Conte para o Luizinho que eu ficava toda orgulhosa de ter um primo bonito para mostrar para as meninas quando ele ia para Sumaré nos visitar, e festeje com todos os familiares e amigos que nos antecederam a linda vida da eternidade. Até um dia.
Gisela Breno
Palestrante e escritora
Professora, Gisela Breno é graduada em Biologia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e fez mestrado em Educação no Unisal (Centro Universitário Salesiano de São Paulo). A professora lecionou por pelo menos 30 anos.