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Histórias de Americana

As vozes de Júlias e Evas

Por Gabriela Simonetti Trevisan

14 de agosto de 2022, às 07h11

Poucos já ouviram falar de uma importante escritora brasileira chamada Júlia Lopes de Almeida. Ela agora ganha mais projeção, sendo republicada pelas editoras e se tornando leitura obrigatória de vestibulares. O que menos gente ainda parece saber é que essa autora, nascida em 1862, no Rio de Janeiro, passou sua juventude toda na cidade de Campinas, estreando na carreia literária nessa cidade, como cronista da Gazeta de Campinas.

A literatura circulava frequentemente, nesse momento, pelos jornais, nas crônicas e folhetins que desde os mais desconhecidos até os mais famosos autores – como Machado de Assis – escreviam periodicamente. Vale reforçar que, no século XIX, Villa Americana ainda era parte do território campineiro e, nesse sentido, podemos “tirar uma casquinha” do talento de Júlia. Essa literata publicou muito – cerca de 40 obras entre romances, contos, peças de teatros, manuais de comportamento, ensaios e conferências –, mas o silêncio que se abate ainda sobre mulheres escritoras é algo a vencermos no Brasil e no mundo.

Em 1893, Júlia publicou seu primeiro romance em livro, ambientado em nossa região: A família Medeiros. Se trata de um romance abolicionista, escrito antes da Lei Áurea, de 1888. Na obra, porém, uma novidade para a época: a protagonista é Eva, uma jovem defensora do trabalho livre, órfã, que briga com o tio patriarca e bate de frente com os escravistas da região. É uma mulher de dezenove anos que propõe a transformação do espaço e das relações de trabalho. Era uma protagonista branca, é verdade, assim como branca era a autora. Contudo, é no mínimo provocativa a escolha do nome: não se trata da Eva pecadora, nome que imediatamente nos evoca a personagem cristã que decai a humanidade, mas é uma Eva recriadora da sociedade, uma que luta pela justiça.

Entretanto, o protagonismo não fica apenas por conta dessa personagem intrigante. Chama atenção a figura da mamã, a ama de leite que dedicou sua vida a cuidar dos filhos do senhor e é, na velhice, esquecida por todos. Destaca-se também a suada fuga dos escravizados para o quilombo, com as mães carregando mato adentro seus filhos ao peito. E bastante grave é a cena do linchamento de um juiz abolicionista, que morre violentamente pela sua causa.

Uma obra como essa, deixada de lado por muito tempo pelo cânone literário, nos mostra o quanto uma escrita por mãos femininas – e feministas, diga-se de passagem, já que Júlia nunca escondeu sua luta pela igualdade entre os gêneros – é capaz de abrir o olhar para narrativas outras que apenas o infinito campo de possibilidades da literatura pode nos trazer. Se José de Alencar, um fervoroso escravista, ganhou louros por tanto tempo ao ficcionalizar nossa região em Til, do começo do século XIX, está na hora de tirarmos certos nomes do púlpito, passar o microfone e deixarmos Júlias falarem. 

Gabriela Simonetti Trevisan
Membro do grupo Historiadores Independentes de Carioba, dedicado à pesquisa história sobre Americana

Historiadores de Carioba

Blog abastecido pelo grupo Historiadores Independentes de Carioba, que se dedica à pesquisa histórica sobre Americana.