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Alessandra Olivato

Saúde mental

Socióloga Alessandra Olivato discute a possibilidade de não se alcançar a felicidade mesmo estando no “topo do mundo” como a ginasta Simone Biles

Por Alessandra Olivato

04 de agosto de 2021, às 07h23 • Última atualização em 04 de agosto de 2021, às 07h29

Saúde mental é o novo luxo, e isso nem é tão novo assim. Não bastasse o exemplo de superação e empenho que encantam a todos, alguns dos maiores esportistas do planeta trouxeram recentemente à tona o tema. Primeiro foi a vice-líder do ranking mundial de tênis, a japonesa Naomi Osaka, quando desistiu do torneio de Wimbledon, semanas depois de deixar outro torneio, de Roland Garros, por se recusar a dar entrevistas com o fim de preservar sua sanidade mental. Em Tokyo, nas Olímpiadas, a americana Simone Biles, principal ginasta dos jogos desistiu de disputar as finais em suas categorias e declarou: “Temos que proteger nossas mentes e corpos, não é apenas ir lá [competir] e fazer o que o mundo quer que façamos. Nós não somos apenas atletas, no fim do dia nós somos pessoas, e às vezes temos que dar um passo atrás”.

O que cria uma analogia com o artigo da semana passada, sobre a possibilidade não se alcançar a felicidade mesmo estando no “topo do mundo”, o que é observado não apenas no esporte, mas no mundo do entretenimento, do corporativismo etc. O atleta brasileiro Altobeli Silva, após não conseguir se classificar em sua modalidade de corrida, em uma entrevista pode-se dizer inusitada logo depois da prova, desabafou que estava se sentindo muito mal, a ponto de chorar por não achar justo não ter se classificado “porque treinou pra cacete”. E disse que o resultado o levaria a repensar se “tudo isso” valia a pena.

A pergunta que fica é: será que toda essa autocobrança vem só do interior ou da expectativa exterior? Não em poucas ocasiões lembro-me de comentaristas esportivos e outros pessoas públicas criticando negativamente atletas brasileiros por não ter conseguido uma medalha ou troféu de outro, por não ter chegado ao topo do pódio. Para mim, lá está ele novamente, o complexo de inferioridade. É como se conquistando um bronze ou não ganhando o campeonato mundial nos envergonhasse mais do que nossos índices na área de educação e de criminalidade. Parece brincadeira, mas é verdade! Lamentável. De minha parte, acho demais, soberbos, fantásticos os atletas brasileiros que vão para uma Olímpiada. Acho os feitos heroicos, principalmente considerando aquela realidade que já estamos cansados de saber de falta de patrocínio, de estímulo e sobretudo falta de uma cultura de esporte, o que é uma pena e é incompreensível, haja vista que o esporte é sem sombra de dúvida uma das maiores políticas sociais e um dos maiores investimentos que um governo pode fazer por sua população.

Então, por que cobramos tanto daqueles que fazem o que a maioria de nós nem pensaria em fazer? Voltamos então ao tema da felicidade. O que a garante? Será vencer sempre? E o que, estando em uma situação não alcançada pela maioria de nós, como por exemplo estar do outro lado do mundo conhecendo estrelas e ídolos esportivos, levaria à infelicidade, a quadros de depressão, a crises de ansiedade? Acredito, mais uma vez, que seja pelo fato de a nossa felicidade hoje ter se tornado muito atrelada ao que esperam e pensam de nós. E não só nesse nível acima da média, mas mesmo no dia-a-dia. Claro que os desafios, como já avaliei, nos movem e nos estimulam, gerando uma dose necessária de adrenalina. Mas até quando viveremos à mercê da imagem que acreditamos ter que sustentar perante as expectativas alheias, em todas as áreas da vida? Isso é tão incrível que chegamos ao ponto de nossas fraquezas e medos serem verdadeiramente a intimidade que tememos mostrar ao invés da nudez pública. É por isso que felicidade está indissoluvelmente ligada com  o conforto de sermos quem somos, independente de tentarmos melhorar sempre. Faz tempo que não utilizo de uma poesia, mas acredito que se encaixe muito bem:

“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

(…)

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!

(…)

Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(…)

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.”

Apenas alguns trechos de A Tabacaria, mais um soberbo poema do poeta que eu também nunca serei. E tudo bem!

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.