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Alessandra Olivato

Para frente

Não é possível que alguém ainda pense que existe algum mocinho dentro da política mundial ou brasileira

Por Alessandra Olivato

20 de outubro de 2021, às 07h28

Por vezes, pessoas com as quais não simpatizamos ou que não passam pela nossa “aprovação” podem dizer coisas muito lúcidas, enquanto que situações e pessoas as quais no geral apreciamos nem sempre apresentam ou dizem coisas assertivas. Isso é, a meu ver, um dos principais fatores que coloca em cheque a insustentável divisão do mundo entre bons e maus, 8 ou 80, certo ou errado, ainda que existam alguns princípios morais compartilhados pela maioria de nós.

Uma breve introdução para comentar a entrevista de Pedro Bial ao economista Delfim Netto e ao banqueiro José Olympio – presidente do Credit Suisse, no último dia 12 de outubro na qual, como não poderia deixar de ser, falou-se de política e dos rumos do País. Sempre achei Bial meio pedante – e não que minha opinião tenha qualquer importância, já quanto a Delfim Netto e a Olympio, difícil negar que inspiram certa antipatia geral pelo poder e lugares sociais que representam.   

Mas, como sugeri de início, muitas coisas assertivas foram ditas na tal conversa com Bial. A começar por este, ao afirmar que a verdadeira dicotomia brasileira a ser superada não é entre a esquerda e a direita, mas entre o passado e o futuro, identificando como passado as duas principais candidaturas que temos até o momento para as eleições do ano que vem: Bolsonaro e Lula.  Observação simples e clara.

Até porque, em minha singela opinião, ambos simbolizam essa divisão da sociedade brasileira que já deixou há tempos de ser divertida para restar ser apenas chata, simplista, obsoleta e incrivelmente inútil. Uma divisão que não leva a lugar nenhum, só nos finca no mesmo lugar e não nos ajuda a resolver nenhum dos problemas que temos. Um looping de embate ideológico ao qual parte da população está presa, infelizmente.   

Bial também ressaltou que adoraria votar um candidato animado e que tivesse um projeto para o Brasil e não um projeto de poder, o que não apenas é um desejo fervoroso de muitos de nós como uma promessa linda e repetida à exaustão por todos os candidatos a cada eleição e nunca cumprida, porque o projeto, ao fim e ao cabo, sempre é de poder e de manter-se nele o máximo tempo possível.  

Mas, voltando ao desejo confesso de Bial, convidados e entrevistador também concordaram que é plenamente possível dar um jeito no país, e digo mais: qualquer filósofo político charlatão ou político de carreira que te diga o contrário, não acredite, afinal, como em um país com tantas riquezas naturais e humanas em um mundo que já tem disponível conhecimento e tecnologia para resolver qualquer tipo de problema ou dificuldade humana isso não seria possível?

Embora os demagogos de plantão adorem também imputar a culpa a outrem, os maiores obstáculos para realizar toda nossa evidente grandeza e riqueza não está em nenhum organismo internacional de perseguição aos pobres coitados ou em qualquer outro fator externo, mas sim em algumas de nossas características culturais e estruturas sociais mais marcantes, embora nem sempre visíveis: uma mescla entre a legitimação da desigualdade (quando você acha que ainda devem existir elevadores separados para empregados e moradores e que qualquer pessoa com certo status deve ser chamado de doutor), privilégios arcaicos (as mais variadas vantagens e favorecimentos dados a pessoas e grupos por critérios absolutamente subjetivos), complexo de inferioridade (quando continuamos achando que o de fora é sempre melhor do que o nosso), paternalismo em relação ao Estado (por você considerar que o Estado deve cuidar de tudo  e resolver toda a sua vida só porque você paga imposto) e, finalmente, o já mencionado inútil embate ideológico que te afasta do fato maior de que estamos no mesmo barco antes do quer sermos inimigos. Tá, esse foi longo mas precisava ser assim. Te fez pensar? Leia novamente.

Da entrevista valem muito a pena outros comentários de Delfim Netto e Olympio. Para quem não imagina, tanto Delfim quanto Olympio elogiaram o governo Lula, principalmente o primeiro, não esquecendo porém das consequências nefastas da corrupção na Petrobrás e da incompetência do governo Dilma. Inclusive, dever-se-ia a esses acontecimentos a resistência do mercado com a alternativa lulista para o ano que vem, a despeito da evidente desaprovação ao atual chefe do executivo.

Sendo mais claros, entrevistador e entrevistados ressaltaram que o ideal seria uma outra alternativa entre Bolsonaro – tido como “inaceitável” e Lula – o “indesejável”, até porque ambos têm enorme rejeição por diferentes parcelas do eleitorado. O que, só para pontuar, deixará qualquer um dos dois – caso saia daí o vencedor – por mais quatro anos lutando contra uma oposição muito mais caracterizada pelo intuito de destruir o poder eleito do que por atitudes construtivas seja de qualquer lado. Mais uma vez, volto aos aspectos culturais dos nossos obstáculos: no Brasil, a oposição acaba por ter exatamente o mesmo projeto de poder e as mesmas práticas nocivas de quem está no poder. Outro atraso de nossa mentalidade política.  

Não é possível que alguém ainda pense que existe algum mocinho dentro da política mundial ou brasileira. Participar da estrutura política, do jogo partidário e responder a poderes corporativos em um país com histórico marcado por fisiologismos, privilégios e estruturas corruptas de todos os tipos não isenta ninguém. Então como escolher um candidato se não há mocinhos?

Talvez procurar o menos ruim. Nesse sentido, é urgente escolher muito menos baseado em ideologias político-partidárias do que sendo, simplesmente, objetivo, racional, frio e lógico. Um candidato com currículo minimamente técnico e acadêmico. Um com o histórico menos corrupto e mais coerente. Alguém que já fez algo em sua carreira em benefício da nação.

Outras dicas aparentemente estranhas mas valiosas: um que grite menos, que faça discursos racionais e sem levantar os punhos no ar. Alguém que não muda de partido a cada estação do ano. Que fale do futuro e menos do passado. Que fale de possibilidades bem mais do que de erros passados. Alguém que passe algumas férias no Brasil e não vá pra Miami ou pra Europa a cada feriado. Que aja com menos estrelismo e arroubos de megalomania. Paremos de votar em narcisistas que fazem apologia ao próprio ego.

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.