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Alessandra Olivato

O novo prédio da câmara

Precisamos avançar muito a consciência de que a coisa pública é da sociedade e de que o cargo obtido pelo voto implica em um serviço e não em uma condição privilegiada

Por Alessandra Olivato

21 de abril de 2021, às 08h59

Em coletiva de imprensa semana passada e noticiada no jornal O Liberal de 13 de abril, o presidente da Câmara Municipal Thiago Martins comunicou a desistência pela construção de um novo prédio que viesse a ser a sede própria do órgão, optando por mudar para outro endereço cujo aluguel sairá um pouco mais em conta do que os atuais R$ 54,6 mil pagos pelo imóvel da Praça Divino Salvador. Dado o investimento que a obra demandaria e considerando a conjuntura da pandemia, Martins tomou a decisão baseado no sentimento de responsabilidade para com o orçamento municipal. O presidente do Legislativo acerta inequivocamente nessa decisão.

De fato não poderia ser de outro modo, uma vez que a responsabilidade de autoridades públicas com o erário é um dos deveres primordiais. Outrossim, ao comentar sobre a decisão como a desistência de um sonho – ter um prédio próprio, Martins remeteu-me ao tema tratado no artigo anterior. Dotada de uma tardia ingenuidade ainda acredito ser impróprio qualquer desejo particular, seja de um indivíduo ou de um grupo político em relação a quaisquer realizações com os cofres públicos que não acarretem benefícios prioritariamente àqueles que o abastecem. Assim como continuo acreditando ser totalmente inadequado usar veículos oficiais ou qualquer outro bem do patrimônio público para fins particulares, empregar parente e tantos outros costumes legitimados da nossa política, mesmo inconstitucionais. Não que deva ser fácil abdicar de interesses e desejos particulares quando na vida pública, mas a quantidade de privilégios materiais e vantagens simbólicas à disposição dos políticos brasileiros deveriam por si só estimular esse hábito salutar.

É inegável uma mudança positiva de mentalidade nesse sentido nos últimos anos, mas ainda precisa avançar muito a consciência de que a coisa pública é da sociedade e de que o cargo obtido pelo voto implica em um serviço e não em uma condição privilegiada. Expressões dessa mentalidade equivocada são o “peço sua ajuda” e “conto com seu apoio” das campanhas eleitorais. Em que sentido? Soa até simplista dito dessa forma, mas uma eleição não tem como fim a obtenção de uma conquista pessoal nem tampouco para um grupo político. Chegar ao cargo público jamais deveria ter como mote de campanha “conto com sua ajuda”. O fim não é o candidato e o voto não é uma ajuda a alguém! Fosse correta a percepção sobre o papel político, preocupação é o mínimo que se deveria sentir, dados os deveres, responsabilidades e sacrifícios que implica. Acredito que eu não seja a única que sente um estranhamento desconfortável com a comemoração de políticos e partidos quando eleitos.

  Lembrei-me também de uma declaração do ex-Presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia em 2017:  “Nós não podemos aceitar que a Câmara dos Deputados se transforme num cartório carimbador de opiniões de parte da sociedade, que são democráticas, que são respeitadas, mas que a Câmara de Deputados tem toda legitimidade para ratificar, para modificar ou até para rejeitar. Nós aqui não somos obrigados a aprovar tudo que chega a este Plenário.” Não é o sentido estrito das palavras de Maia que é equivocado e nem poderia ser já que ele e a maioria dos políticos primam pela retórica bem cuidada como forma de convencimento. O que chama a atenção é a sugestiva contrariedade em ter que “ouvir a sociedade”. Salvo algum direito à espontaneidade vez ou outra, outro dever que deveria ser naturalizado por homens e mulheres públicas é o bom uso das palavras, haja vista que a liderança simbólica da sociedade é outro papel fundamental à função.

Assim, zelar pelo dinheiro público, ter responsabilidade fiscal, evitar benefícios particulares enquanto em função pública e cuidar do discurso deveriam ser o padrão, o habitual, não a exceção. Não à toa a distinção entre o público e o privado é não só um tema clássico da filosofia política como também uma das principais vias de análise sobre a organização social e política.

Obviamente que prédios próprios podem trazer economia a longo prazo para o município, eliminando a necessidade de aluguéis exorbitantes. Mas acredito que cada projeto seja um caso e não apenas agora mas por mais uns bons anos deve-se pensar se de fato é necessário uma sede própria para a Câmara ou para outro órgão. Ao zelar pelos recursos financeiros da cidade bem como fazer o uso devido do patrimônio municipal não apenas o atual presidente da Câmara assim como demais vereadores e Excelentíssimo Senhor Prefeito têm pela frente inúmeras oportunidades de mostrar que aquele Brasil atrasado, herdeiro de uma cultura imperial que concebe o Estado como fonte inesgotável de dinheiro está finalmente sendo substituído por um Estado moderno, contemporâneo, que separa a coisa pública dos interesses privados e serve à sociedade. Acredito que isso permitirá até maior tranquilidade aos nossos representantes sobre uma possível reeleição, simplesmente porque fizeram a coisa certa.

*Lembro que essa coluna é independente da opinião de quaisquer funcionários de O Liberal

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.