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Alessandra Olivato

O desemprego brasileiro

Essa semana vimos a notícia de que o Brasil tem a maior taxa de desemprego entre as 20 maiores economias do planeta e a socióloga Alessandra Olivato joga luz para os aspectos culturais que está por trás dos fatos

Por Alessandra Olivato

24 de novembro de 2021, às 07h34 • Última atualização em 24 de novembro de 2021, às 07h35

O Brasil tem a maior taxa de desemprego entre as 20 maiores economias do planeta, segundo a agência Austin Rating que classifica riscos econômicos e de investimento em países, segundo reportagem do Uol essa semana. Sob outro ângulo, a notícia também não é das melhores: a média de desemprego no Brasil é duas vezes maior que a média mundial. Trocando em miúdos, entre as grandes economias, estamos em uma posição desfavorável nesse aspecto. Vale lembrar que segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE (a PNAD), desempregados são pessoas acima de 14 anos que não estão trabalhando mas que estão procurando trabalho, logo, não engloba estudantes, donas-de-casa e empreendedores que têm seu negócio próprio.

Ainda que a enxurrada de dados desse tipo e suas respectivas fontes devam ser lidas sempre com cuidado e contextualizados, como no mundo dos negócios as coisas tendem a ser levadas muito a sério pela natureza do que está em disputa, fato é que informações desse tipo de entidade devem ser observadas no mínimo com interesse. Segundo o chefe da agência mencionada, problemas estruturais como a alta carga tributária e a baixa produtividade explicam a alta taxa de desemprego no País, que deve fechar o ano em aproximadamente 13,8%.  

Se é que eu possa me dar ao luxo de dizer que tenho já leitores, muitos já devem ter percebido como vez ou outra chamo a atenção para os aspectos culturais que está por trás dos fatos. E por que o faço? Porque fatores culturais como hábitos, modos de ver o mundo e de resolver desde pequenos até grandes problemas, valores e ideologia impactam muito – mesmo quando não diretamente – o “funcionamento” de uma sociedade, incluindo as instituições públicas como as esferas de poder, a economia e também índices de emprego ou desemprego. Claro que como toda questão multifatorial, não se desconsidera para explicar as nossas permanentes taxas de desemprego os sistemas jurídico e tributário, o nível educacional, a falta de mão-de-obra qualificada, o jogo econômico internacional, o poder aquisitivo das pessoas e tantos outros.  

Mas consideremos o sistema tributário, por exemplo, para nos perguntar o que questões culturais teriam a ver com um Estado oneroso à população. Refazendo a pergunta, por que a carga tributária brasileira realmente seria alta o suficiente a ponto de dificultar que empresas invistam mais, gerando riqueza, e que cidadãos tornem-se e mantenham-se empreendedores, só para mencionar duas possibilidades de geração de empregos.  

Quando eu penso em um Estado oneroso ao cidadão não penso apenas nos impostos, mas em toda a miscelânea burocrática que gera dezenas de taxas que pagamos absolutamente por tudo. Nunca consegui sequer imaginar o quanto um único órgão como o Detran ganha em um ano. Parece ser uma cifra impensável. E as prefeituras com todas as taxas de licenças, estudos, planos, documentos, protocolos, alvarás?

E isso tudo me remonta à história de um Estado que se formou batendo na casa das pessoas para cobrá-las uma taxa. A cobrança de tributos no Brasil remonta ao período colonial, o que não deixa de ser compreensível porque faz parte da formação, àquela época incipiente, da estrutura fazendária e administrativa da nação. Mas a questão não é pagar tributos, o que é uma necessidade inconteste.  A questão é uma certa mentalidade política e social – não explicitada e não confessa – que concebe o Estado, no Brasil, como que um destinatário por direito da riqueza gerada pela sociedade, e não um Estado que tem como obrigação primeira usar o dinheiro dessa mesma sociedade para promovê-la. Eu disse promovê-la, não provê-la.

A questão aparentemente não palpável mas bem perceptível para bons observadores é que por trás de todas as práticas de privatização do (recurso) público no Brasil há um imaginário ainda mais interessante que é o de que ser parte do Estado significa ter direitos a   privilégios e até mesmo a um certo status de prestígio diferenciado em relação ao restante da população. Isso explica muita coisa, como por exemplo, a ideia de que pagar quase 50 mil reais pelo aluguel do prédio do Legislativo Municipal ser uma “pechincha”, algo absolutamente normal. Isso explica porque a maior parte dos cidadãos que se torna político continua repetindo os mesmos hábitos, porque boa parte da população sente assim, mesmo não sabendo que sente.

O Estado no Brasil é visto quase que uma fonte infinita de dinheiro, a ponto de explicar erros grotescos de governabilidade por desconsideração que sua fonte, quando não estimulada, pode secar. Mas a quem isso importa? Quando a fonte está pra secar, é ela ainda que paga a conta, já que as obras, mordomias e transações milionárias entre maletas e cuecas não podem parar.

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.