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Alessandra Olivato

Educação, público e privado

Bradamos contra a desigualdade imposta a nós por parte de nosso sistema judiciário, mas furamos fila ou pedimos pro nosso conhecido do setor público priorizar nosso atendimento

Por Alessandra Olivato

14 de abril de 2021, às 08h52

Um de nossos maiores imaginários coletivos é o de que “o brasileiro é mal-educado”. Confesso também que esse tema sempre me interessou desde que eu era bem mais jovem, principalmente sobre duas concepções quando se fala do assunto: uma, de que a educação vem “de berço”, outra, de que falta de educação é coisa de “gente ignorante”, gente “sem estudo”, no sentido pejorativo do termo.

Um aspeto que sempre me chamou a atenção, porém, é o de que alguns hábitos considerados falta de educação parecem independer de nossa origem familiar ou de termos frequentado ou não a escola. Apenas um exemplo dentre muitos: jogar lixo no chão. Mas se jogar lixo no chão não é apenas falta de orientação dos pais ou de estudo, a que se deveria? Qual seria a causa por trás de jogar a latinha de cerveja pela janela do carro ou o papel do sorvete ou a sacolinha plástica no chão? A atitude recorrente parece revelar uma ausência de sentimentos que, em pleno século 21, talvez devessem ser inerentes à vida em sociedade, o sentimento de bem comum. Ou será que temos essa noção de coletivo e não o valorizamos? E se não, por quê?  

Uma explicação possível pode estar na relação que temos com os espaços públicos e privados e na sobreposição que indisfarçadamente fazemos entre eles. Nesse sentido, jogo lixo na rua exatamente como em casa, esquecendo-se que a rua e a praça são espaços coletivos e usufruídos por outros e que, como tais, deveriam ser respeitados. Ou então cuido da minha casa, mas sujo o espaço público justamente por ser dos outros com os quais não me importo. Uma ação diária que exemplifica muito bem essa dicotomia até porque tem bastante impacto em nossa vida social é a de dirigir. Dentro do meu carro, estou em um espaço particular onde, como tal, eu posso agir da forma como bem quero, chegando a altas velocidades ou com o som no maior volume. Entretanto, dirigir é uma ação que só se realiza na rua ou na estrada, que são espaços públicos. E aí? O que determina a escolha que irei fazer, ou seja, a de usufruir do meu bem privado como bem desejo ou a de respeitar o direito de segurança ou de conforto dos demais? Parece que o que leva a essa escolha é a valorização do bem comum e do espaço público.

Pois, se essa não existe ou é precária, muito provavelmente sou aquele motorista que não respeita a velocidade permitida ou a sinalização de trânsito e que ando com o volume do rádio no máximo, independente do gosto musical alheio ou do seu direito por silêncio. Jogar lixo no chão e dirigir imprudentemente guardam uma afinidade inequívoca com não usar máscara e até com o velho fisiologismo político brasileiro: é tratar o público, seja esse um espaço ou o bem comum de maneira privada, submetendo-os ao interesse particular.  

Reclamamos cotidianamente e com razão da corrupção e maus exemplos dos sucessivos governos, mas legitimamos com igual frequência a desigualdade social ao tratarmos aquilo que nos é particular de maneira privilegiada em relação ao que é público. Bradamos contra a desigualdade imposta a nós por parte de nosso sistema judiciário, mas furamos fila ou pedimos pro nosso conhecido do setor público priorizar nosso atendimento em detrimento dos demais.

Ocorre que pensar e agir em prol do coletivo revela não apenas educação, mas também certa inteligência, haja vista que mais cedo ou mais tarde a minha falta de educação voltar-se-á também contra mim: o lixo que eu jogo na rua favorece a enchente, a árvore que eu corto indevidamente tornará o clima mais árido, e assim por diante. Tornou-se clichê dizer isso, mas estamos todos conectados, temos que esquecer um pouco a rede virtual e lembrarmos que formamos uma rede real e que é improvável fazer tudo o que quisermos sem nenhum tipo de consequência. Mudanças culturais como essas são lentas e demoradas e implicam em grandes desafios como superar o individualismo e o imediatismo, ambos relacionados ao valor que damos ao bem público e ao coletivo. Pensemos nisso e até a próxima!

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.