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Alessandra Olivato

Democracia

Comunicação ideal entre duas ou mais pessoas implica em que as partes compreendam o que a outra está dizendo

Por Alessandra Olivato

15 de setembro de 2021, às 07h36 • Última atualização em 15 de setembro de 2021, às 08h00

A comunicação ideal entre duas ou mais pessoas implica em que as partes compreendam o que a outra está dizendo. Parece besta, mas não é raro isso não acontecer e certamente parece que vivemos tempos em que isso é muito comum, gerando muitos desentendimentos desnecessários. Até porque muitas vezes se está mais preocupado em falar e convencer o outro de que se tem razão do que em buscar o entendimento.  

Mas voltemos. Suponha que falemos de autonomia, por exemplo. Conseguiremos fazer com que nossas ideias sobre autonomia  sejam compreendidas se o outro tiver o mesmo conceito sobre autonomia ou se, mesmo tendo conceitos diferentes, estejamos cientes disso. Vejam, é algo bem anterior a discordar sobre as coisas, é sobre primeiro entender o que o outro quer dizer para aí decidir se concordo ou discordo. Em um mundo ideal, seria também compreender porque o outro entende um fato de forma tão diferente da minha porque teve uma experiência diferente com aquilo ou porque tem outros tipos de sentimentos. Mas aí acho que já estou sonhando acordada.  

Um dos conceitos que era mais geram desentendimentos hoje em dia justamente é diferentemente compreendido – e eu diria, erroneamente compreendido – é o de democracia. É o que gera, entre outras coisas, um sem número de discursos de que vivemos sob uma ditadura disso, uma ditadura daquilo e por aí vai.  Então recorramos ao dicionário e às definições aceitas.

Termo oriundo da cultura grega, democracia junta duas palavras daquela língua, demos (povo) e kratos (poder). Assim, no conceito clássico, democracia é o poder do povo. Com o surgimento dos estados modernos, poder do povo reforça o significado de um poder que não está restrito a uma família e muito menos é hereditário. Resumindo, é o povo exercendo o poder no governo de alguma forma. Formas que podem variar. Sendo uma democracia direta, implica em que qualquer cidadão poderia apesentar leis e que todo o povo – todos os cidadãos – deveriam votar sobre cada lei e cada tomada de decisão política. Na democracia indireta, por sua vez, o poder é representativo por meio da escolha de pessoas que teriam os mesmos interesses que os nossos e, portanto, os defenderia e executaria. Essa forma obviamente tornou-se mais viável com o crescimento das populações, o que complexo o mecanismo de todos votarem o tempo todo. Já a democracia participativa, mais incomum, seria uma mescla entre a forma indireta e algumas decisões deixadas para o referendo popular, por meio de votos por assembleias ou plebiscitos.  

Vejamos, se estamos falando de uma escolha de representantes em que cada um tem o direito legítimo de votar em quem quiser isso coloca como pressuposto a existência de interesses diferentes. Ou, o que é interessante, a ideia de que as pessoas podem ter os mesmos desejos mas terem ideias diferentes sobre como satisfazê-los. É o caso da corrupção, por exemplo. Difícil encontrar alguém que seja a favor da corrupção, entretanto assistimos a acusações e brigas calorosas sobre o outro defender a corrupção, enquanto eu não!  Como pode isso? A grande maioria é contra a corrupção, isso é óbvio. O que ocorre é muito mais uma diferença sobre o método supostamente eficaz para acabar com ela do que alguém ser a favor dela. Mesma coisa com questões como fome, pobreza, violência. São temas sobre os quais a maioria dos brasileiros, por exemplo, tem o mesmo sentimento – o anseio de que não existissem, então é impressionante como somos capazes de acusar uns aos outros colocando-nos, no geral, como melhor que o outro.

Voltemos à democracia para dizer então de uma forma clara e direta: sim, vivemos em uma democracia. Em uma democracia a pleno vapor e funcionando aos quatro ventos. Primeiro, escolhemos nossos representantes por meio do voto, eles não nos são impostos (a não ser de forma indireta pelo marketing político, mas deixa pra lá). Segundo, podemos discordar e expressar nossas opiniões a favor ou contrariamente aos governantes de maneira bastante livre, sem sermos presos por isso nem mortos (ao contrário de em uma ditadura). Podemos nos vestir praticamente como quisermos para irmos a qualquer lugar, podemos beijar a quem quer que seja, podemos até mesmo nesse país infringir várias leis sem que tenhamos receio de uma punição (incrível!), sofrendo em contrapartida tão somente as sanções sociais que nós mesmos desenvolvemos no decorrer do convívio social e que são inerentes a qualquer sociedade. Podemos fazer praticamente tudo mas infelizmente temos a dificuldade de lembrar que todas as nossas ações e escolhas têm contrapartidas, tudo tem um custo-benefício, tudo, não apenas na esfera política. Ocorre que tem muita gente que não aceita essa ideia.

Apesar de a parcialidade e da subjetividade ser alguns de nossos direitos mais refinados e sutis, por assim dizer, quando falamos de algumas coisas com grande desdobramento prático e objetivo, como a democracia, seria importante não sairmos muito sentido mais estrito. Então, se você se sente subjugado, triste e deprimido porque o governante não te representa e que diz coisas sem sentido que você não aceita, lembre-se que o próximo provavelmente vai te representar, com certeza, quando chegar esse momento, você não dirá que seu vizinho que votou diferente vive sob uma ditadura. De uma vez por todas, a diversidade de opiniões, o debate e o direito de discordar é uma das maiores provas de que vivemos em plena democracia.

Infelizmente o extremo da incompreensão do outro leva a agressões recíprocas como a ocorrida na última semana em Americana entre o dono de um hotel e um professor, a qual eu tenho certeza que poderia ser evitada se a busca pela comunicação real fosse um interesse maior do que ter razão.     

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.