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Alessandra Olivato

Contra o fundo eleitoral

Projeto bilionário foi aprovado em meio a uma pandemia que fragilizou ainda mais a economia nacional e deixou milhões de brasileiros sem emprego; leia a opinião da socióloga Alessandra Olivato

Por Alessandra Olivato

21 de julho de 2021, às 08h23 • Última atualização em 21 de julho de 2021, às 09h01

Semana passada foi votada a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) que define as prioridades dos recursos financeiros federais, metas, regras e vedações e, em meio à votação, a aprovação pela maioria do aumento da verba pública destinada a financiar campanhas eleitorais, o chamado fundo eleitoral, passando de R$ 2 bilhões para R$ 5,7 bilhões. O fundo, advindo do Tesouro Nacional, é destinado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aos partidos de forma proporcional à representação desses no Congresso. Isso em meio a uma pandemia que fragilizou ainda mais a economia nacional e deixou milhões de brasileiros sem emprego.

A votação por um aumento do fundo só é possível porque existe um fundo, mas ele não existiu sempre. Foi criado por lei em 2017 após anos de contraposição à ideia de empresas privadas financiarem campanhas políticas. Eu me lembro um pouquinho dessa história. Ainda estudante de ciências humanas, uma das principais bandeiras do pensamento de esquerda era o fundo público e eu me lembro muito bem do incômodo e estranhamento que sentia quando ouvia sobre isso. Como assim? O Estado dar dinheiro para os partidos e candidatos para serem eleitos e terem ainda acesso a ótimos salários além de todos os demais benefícios e privilégios que o cargo público permite no Brasil? Porque o contexto é esse e vamos ser sinceros, é minoria os que seguem a carreira política no Brasil apenas por ideologia ou boas intenções. Ainda que elas existam, a própria corrida eleitoral, a diversidade de partidos e a quantidade de candidatos deixam nítido e claro que a principal motivação é a boa remuneração e todos os privilégios conhecidos.  

Para entender os principais argumentos pró-fundo, tomarei como exemplo os elencados pela deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR) em seu discurso sobre o tema. Primeiro, de que o financiamento público beneficia a representatividade democrática popular uma vez que equaliza as chances de candidatura a quaisquer pessoas que tenham acesso à verba. Segundo, de que o fundo público facilita que os eleitos defendam os interesses populares já que o dinheiro viria da população e, em terceiro lugar e concomitantemente, o financiamento público de campanhas impediria que aqueles legislem e governem atrelados aos interesses de seus financiadores caso as empresas custeassem a disputa.

Os argumentos em defesa do fundo da deputada me lembram muito a clássica ideia de que os fins justificam os meios, nesse caso, de que financiar campanha eleitoral com dinheiro público seria plenamente defensável com base nas consequências democráticas por ela levantadas.

Eu realmente me pergunto se a deputada acredita de fato nesses argumentos ou até, petulância minha, se conseguiria sustentá-los numa sabatina mais técnica. Primeiro, a ideia de o fundo equalizar as oportunidades de candidaturas não é uma verdade estrita já que o dinheiro não é igualmente distribuído, mas sim proporcionalmente conforme o número de representantes no Congresso, o que aliás beneficia diretamente seu partido. Segundo, será que o financiamento público de campanha garante que os políticos exerçam seus mandatos realmente representando os interesses populares? Realmente gostaria de saber como é que funciona essa suposta relação de causa e efeito. E mais, como essa forma de financiamento impede que os interesses corporativos sejam uma das principais diretrizes das decisões políticas, como o são desde sempre? Enfim, a mim parecem ideias facilmente questionáveis porque elas não guardam uma relação de causa certa, o “se isso então aquilo”.

Para quem leu bem até aqui, veja que não discuti a questão do aumento do fundo mas sim a sua própria existência. E, nesse sentido, me parece incoerente – para evitar outro adjetivo mais polêmico – que Gleisi tenha chamado alguns colegas de ofício de falsos moralistas, mesmo com seu partido tendo votado contra o aumento, uma vez que o uso político de embates como esse no Brasil é tão comum e corriqueiro que é difícil não imaginar também nesse posicionamento uma intenção politiqueira, sobretudo no momento atual.

Finalmente, o argumento de que as maiores democracias no mundo assim o fazem. A já quase obsoleta ideia de que tudo o que serve “lá” serve aqui. Nunca achei e continuo não achando. A formação da sociedade e do Estado brasileiros tem nuances e características que, pelo menos para mim, tornam inaceitável a ideia de destinar dinheiro público para financiar campanhas políticas, além de aviltante por si só, além do que não acredito que o financiamento público garante nenhum dos benefícios citados pela deputada. O fisiologismo brasileiro é muito bem orquestrado para que uma medida como essa chegue a atrapalhá-lo.

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.