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Alessandra Olivato

A vida e os livros

No artigo dessa semana, Alessandra Olivato nos mostra como a vida é um grande livro, com partes deliciosas e outras que não entendemos absolutamente nada

Por Alessandra Olivato

07 de abril de 2021, às 08h52 • Última atualização em 07 de abril de 2021, às 09h18

Quem é professor já dedicou parte seu tempo ensinando os alunos a como estudarem. É muito comum os alunos dizerem que o estudo “não rende” ou não conseguirem atingir o objetivo principal que é o de entender o que estão lendo. Estudam sem eficácia. Claro que há conhecimentos mais complexos e outros muito técnicos, mas isso também ocorre em relação a textos mais simples. Alguns motivos podem explicar essa dificuldade generalizada.

Pensemos em um pequeno texto que o professor pediu para a próxima aula. Você tira uma cópia ou pega o livro onde se encontra o capítulo solicitado e começa imediatamente a ler. Primeiro erro. Para começar a entender um texto o primeiro passo é saber do que se trata, simples assim! Parece óbvio, mas muitos começam a ler sem saber qual é o assunto; no caso de estudantes, muitos não procuram se informar a qual parte da matéria ou do plano curricular ele corresponde, não se presta atenção a título, prefácios e ano em que foi escrito. Dito de maneira muito simples, não se procura saber por que aquele texto existe ou em que momento foi escrito. Nesse sentido, vejamos, importa menos a sua dificuldade intrínseca do que a contextualização.

O segundo passo tão ensinado em cursos de redação é perceber o encadeamento das ideias. Perceber, não entender, que vem depois. Um texto satisfatoriamente escrito tem começo, meio e fim. Pode começar com a introdução ao tema ou até pela conclusão, depende do estilo de escrita. Mas sem dúvida haverá o momento em que o assunto é lançado, bem como os lugares dos argumentos e da finalização. Perceber onde essas partes se encontram é fundamental para o sucesso da leitura.

Quase todo texto também traz fatos e opiniões e é recomendável distingui-los. Então o básico é isso, conhecer o contexto, o caminho percorrido, a mensagem pretendida e os fatos e opiniões. Finalmente, você se tornou um ótimo leitor se além desses elementos fundamentais conseguir identificar aquilo que não foi dito expressamente, isto é, a subjetividade, a ideologia e as opiniões subjacentes às palavras, à forma, ao caminho e linha de chegada escolhidos.  

Penso que assim como um texto, é a vida. Podemos dizer que ela é um grande livro, suas fases os capítulos e todas as centenas de eventos que vivemos os parágrafos ou as seções dos capítulos. E assim como em relação àquele, falta muita interpretação de texto, não é mesmo?

Quantas vezes em um diálogo os interlocutores não conseguem se comunicar simplesmente porque não conseguem entender o que o outro quer dizer? Muitas brigas ocorrem não por diferenças de ponto-de-vista, mas porque uma ou mais partes não conseguem discernir o objetivo da fala do outro e muito menos sua argumentação. Não é sempre que se conhece a história de vida e as motivações de alguém para entender melhor o que ele diz, mas nesses casos uma boa dose de observação e empatia pode ajudar. Então, para compreender os textos assim como as frases e os parágrafos da vida a assertividade também é essencial. Por falar nisso, conceitos também importam. Se pedirmos para duas pessoas traduzirem o que entendem por democracia, amizade, sofrimento ou felicidade provavelmente haverá diferença. O que nos leva à humildade: Se não entendeu o que o outro quer dizer e percebeu isso, pergunte: o que você quer dizer com isso, pode me explicar? Ou, por que pensa assim? Gostaria de entender.

Ao contrário da armadilha em que caímos achando que todo mundo é mal intencionado ou que somos pessoas muito melhores podemos partir do princípio que por trás daquela opinião há experiências de vida, emoções e também nível de aprendizado diferente do nosso. Moral da história: podemos discordar e inclusive continuar vivendo separados em nossas panelinhas, mas vamos discordar pelo menos entendendo o que o outro disse!

Com a vida também. Temos todo o direito de ficarmos emburrados e contrariados às vezes. “Isso não é justo”, “não chega perto hoje”, “cansei dessa vida”. Mas, pelo menos que fiquemos assim quando a vida realmente dá uma de engraçadinha e nos passa a perna, não por não entendermos o que ela quer nos dizer. Porque algumas vezes ela tá certa.

Ler um livro, lembrar de frases e parágrafos, contar pros outros as partes que nos marcaram é muito bom. Mas às vezes têm trechos que não fazem o menor sentido, dos quais não entendemos absolutamente nada. Assim como a vida! Nesses casos pode-se, ao invés de lê-la, ouvi-la como uma música e nos deliciarmos com a melodia, mesmo não entendendo a letra.  

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.