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Alessandra Olivato

A dialética da felicidade

Será que a felicidade está ligada intrinsicamente com um movimento sempre “pra frente” ou “pra cima”, com estarmos ocupados ou interagindo o tempo todo?

Por Alessandra Olivato

28 de julho de 2021, às 11h04 • Última atualização em 28 de julho de 2021, às 11h51

Quando eu ouvi pela primeira vez a palavra dialética em uma aula há muito tempo fiquei tão apaixonada que não consegui dormir direito, crente – como uma boa jovem – de que eu havia descoberto alguma coisa muito preciosa que me levaria a mudar o mundo ou algo do tipo. Não mudei o mundo, mas nunca mais fui a mesma.  

É difícil traduzir a palavra dialética com exatidão. O conceito foi utilizado por muitos e pode ser moldado a depender do contexto. Muito basicamente, seria o que resulta de uma alternância entre contrários, ou chegar-se a alguma conclusão pelo embate entre contradições, um método de pensamento e descoberta. Na filosofia clássica, poderia ser entendida como uma ideia nova que nasce da oposição entre ideias, no pensamento marxista, o fim do capitalismo a partir de suas contradições internas. São muitas as possibilidades de compreensão e certamente pode ser aplicada à nossa vida.

Quando percebemos a pessoa que vamos nos tornando a partir de nossos próprios contrários. Por exemplo, um crescimento pessoal que se dá não apenas a partir de nossas virtudes mas também de nossas mazelas e nossos erros, ou melhor, da alternância entre os dois aspectos, o bem e o “mal”. Porque, sim, todos temos nossas sombras, não é mesmo?

Esse raciocínio me leva a uma questão em que toquei em um de meus primeiros artigos, quer seja, a da busca incessante pela melhor versão de nós mesmos, tão em voga hoje em dia. Uma tarefa a que centenas de coachs, astrólogos, nutricionistas, psicólogos, filósofos e outros tantos profissionais estão dedicados a nos ensinar. Resiliência ao máximo virou palavra quase de ordem, produtividade permanente, ânimo constante. Como eu também já comentei em ocasião anterior sou fã dessa palavrinha resiliência e da ideia de nos dispormos a ser o melhor que podemos, encarando os contratempos com sabedoria, aprendendo a levantar constantemente, vez após outra, diariamente. Afinal, precisamos de desafios para nos sentirmos vivos.

Mas acabamos percebendo que não é bem assim que funciona, contrariando a crença iluminista de que o homem, inundado pela luz da razão, seria capaz de encontrar soluções para todos seus problemas de maneira racional e clara, sendo cada vez mais feliz. É claro que solucionamos muitas coisas pela razão, que é um de nossos maiores dons. Mas, talvez seja mais correto dizer que andamos tal qual caranguejo, às vezes pra frente, às vezes pra trás e às vezes também pros lados. Além de não conseguirmos absolutamente ser racionais todo o tempo, carregados de emoções que somos, vamos tomando cada vez mais consciência de nossas contradições e também das contradições da vida, que nos mostra, por exemplo, que nem sempre a razão leva à melhor decisão, ou ainda, que nem sempre o “bom” faz coisas boas e nem sempre o “ruim” faz apenas coisas más. Principalmente, vamos percebendo que de forma alguma temos controle sobre tudo. Não importa o quanto planejemos, em alguma medida as coisas saem diferente. Graças a Deus!

A própria felicidade parece um conceito muito dialético, simplificando, contraditório. Estar alegre o tempo todo é felicidade, por exemplo? Melhor: tentar estar alegre, entusiasmado e motivado o tempo todo é felicidade? Sem dúvida que o sentimento de paixão pela vida e seus ofícios diários nos impulsiona a realizar nosso potencial e aquilo de que gostamos, mas também aprendemos que isso não garante nossa felicidade o tempo todo. Então, será possível ou até mesmo desejável viver assim integralmente? Quem nunca se sentiu estranhamente feliz estando triste e poder curtir um pouco da melancolia ao invés de tentar ficar alegre? Quem nunca sentiu certa leveza – e felicidade – de não ir àquela festa legal optando, pelo contrário, por uma solidão voluntária?

Será que a felicidade está ligada intrinsicamente com um movimento sempre “pra frente” ou “pra cima”, com estarmos ocupados ou interagindo o tempo todo? Será que a felicidade é ser resiliente todos os dias ou também saber-se dar uma pausa de vez em quando e chutar o balde? Nesse sentido, o conceito de felicidade para mim lembraria mais uma ideia de serenidade do que de ânimo constante, mas principalmente, é importante entender que é diferente para cada um de nós e, mais, diferente a cada fase da vida. Viver no seu próprio ritmo, acelerando em alguns momentos, diminuindo a velocidade em outros. Mas, acima de tudo, sendo nós mesmos, o que se torna um aprendizado urgente em um mundo de tantas falsas felicidades.

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.