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Alessandra Olivato

A última fronteira feminista

Sobre uma das pautas fundamentais do feminismo: o trabalho doméstico

Por Alessandra Olivato

03 de março de 2021, às 07h00 • Última atualização em 03 de março de 2021, às 08h06

Como mulher, socióloga e feminista, fui ensinada a pensar as mulheres como vítimas de um mundo terrivelmente machista que, no mínimo, nos desvaloriza, despreza e nos trata pior do que aos homens. Antes de mais nada, vamos delimitar o conceito.

Para ser bem sucinta, entendo o machismo com um conjunto de ideias e atitudes de desvalorização das mulheres, que parte de um sentimento de que nós, em vários ou em todos os aspectos, somos inferiores os homens: menos fortes – sendo força física um atributo hiper valorizado, não tão inteligentes, não tão espertas, não tão competentes, nem tão legais, nem tão amigas etc.

Também engloba um sentimento muito mais comum do que assumido de que a mulher, de certo modo, é “propriedade” do homem ou de que sobre ela ele teria como que um direito de posse ou mando. Finalmente, existem homens e mulheres machistas, embora mais homens.

Bem, impossível esgotar aqui esse assunto, até porque não há um consenso entre todas as mulheres sobre alguns pontos. Eu mesma não acho que passemos o dia todo sendo vítimas de homens ou discursos machistas, há relativizações a serem feitas, há conquistas a serem consideradas, há homens não-machistas e há demandas femininas diferentes conforme a idade, classe social, grau de instrução e outras variáveis.

Mas, há duas questões do feminismo que arrisco dizer serem as principais. A primeira e de longe mais importante é a da violência contra a mulher. É a mais importante seja pela gravidade, seja pela constância ou pelas graves consequências individuais e sociais. Mas vou deixar isso para um outro momento. A outra pauta fundamental do feminismo, difícil de evoluir, é a do trabalho doméstico.

Conquistado o mercado de trabalho e o alcance crescente de cargos de liderança, dada a participação cada vez maior dos pais na criação dos filhos, superados alguns estigmas em relação às mulheres, como em relação às separadas ou mães solteiras, ele continua lá, quase intocável, uma das últimas fronteiras aguardando para fincarmos nossa bandeira branca, protagonista de muitas DRs.

Como naquela piada bem conhecida, dizem os homens: “Vou lavar a louça, não precisa lembrar de seis em seis meses”; “Eu trabalhei a semana toda e ontem recolhi o lixo, o que você quer mais que eu faça?”; “Mas tem que colocar água no filtro de novo?”.

Mas, vamos lá, procurando ser uma feminista justa, cada casal, cada casal, a fórmula não precisa ser igual pra todo mundo! Mas, de minha parte, até que eu mude de opinião, penso que a divisão de tarefas do casal é o mais justo. 

Alguns casos: se apenas o homem trabalha fora e a mulher não, a ela pode caber a maior parte do serviço de casa sim, conforme acordo entre os dois, a depender da quantidade de serviço doméstico, da existência de filhos etc.

Por outro lado, se ambos trabalham fora e também segundo acordo particular do casal, o serviço doméstico não deveria caber apenas à mulher, principalmente se houver filhos. Vale como divisão pagar os serviços de uma faxineira, quando isso for possível.

E, finalmente, o que tem sido cada vez mais comum mas ainda é residual em termos estatísticos, se apenas a mulher trabalha fora, seria plausível que o homem cuidasse da maior parte do serviço doméstico.

Como eu disse, cada caso é um caso. Mas quero chamar a atenção para quatro características do trabalho doméstico cuja compreensão precisa melhorar para que a relação dos homens com ele mude.

Primeiro, o trabalho doméstico não tem fim, existe vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano e, acreditem vocês ou não, as louças brotam na pia, lixos se multiplicam antes de nos darmos conta e as roupas insistem em não permanecerem limpas, o que o torna um serviço muito cansativo.

Segundo, “ajudar em casa” é uma ideia ultrapassada, rapaz; o justo é dividir todas as tarefas que diretamente beneficiam o casal, seja o trabalho fora de casa como o trabalho de casa.

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Terceiro, por ser bastante repetitivo e não ter hora, o trabalho doméstico sem descanso causa desgaste psicológico, por isso sua mulher surta às vezes.

Quarto, o trabalho doméstico não traz status (infelizmente, pelo contrário) nem dinheiro, por isso a sociedade ainda o desvaloriza tanto. Por isso mesmo, como pura doação de energia física e tempo, é um grande revelador do quanto gostamos e nos preocupamos com o outro. Valorize!

Em tempo: adoro afazeres domésticos, inclusive cozinhar. Só acho que seria justo termos pelo menos umas feriazinhas e um décimo terceiro, o que acham? Até a próxima!

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.