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Histórias de Americana

A Santa Inquisição em Villa Americana

No ano de 1924, uma matéria publicada no jornal O Município trazia o título "O Curandeiro em ação"

Por Elizabete Carla Guedes

12 de junho de 2022, às 19h55

No ano de 1924, uma matéria publicada no jornal O Município chamava a atenção dos leitores. O título se destacava – “O Curandeiro em ação” – e o texto trazia a “heroica” ação da guarda de polícia de Villa Americana, liderada pelo subdelegado Eduardo Medon, na apreensão do curandeiro denominado Lazaro Bôa Ventura, descrito como homem preto, praticante de “medicina ilegal”.

O texto ressaltava que várias denúncias haviam sido feitas à delegacia de saúde de Campinas, o que fez a guarda ser acionada para tomar providências contra as garrafadas de ervas distribuídas ou vendidas pelo denunciado, que poderiam estar prejudicando a saúde pública. Ao chegar na casa de Lazaro, no bairro Cachoeira, o subdelegado encontrou dezenas de enfermos.

“Encontrou o curandeiro em flagrante rodeado de mais de 50 doentes, a quem distribuía garrafadas d’uma beberagem qualquer, sendo estes a maior parte de lugares afastados como Jahú, Rio Claro, Limeira, Campinas etc.”, descreve a matéria.

Nesta ação, foram apreendidas as garrafadas – “drogas e bugigangas”, como citado no texto –, mas, segundo testemunhas, Lazaro não foi preso por intervenção de seus filhos pequenos, que choravam e clamavam misericórdia a seu pai. Ainda assim, teria sido instaurado processo contra ele.

Podemos comparar a matéria com a conspiração escrava de 1832, ocorrida em Campinas, no período em que as terras que viriam a ser Americana ainda faziam parte do território campineiro. A conspiração foi um plano muito bem organizado, porém, contido antes que fosse posto em prática. Fazia parte da estratégia a venda de “meizinhas” para arrecadar dinheiro para que os revoltosos comprassem armas, executando, assim, seus planos contra os senhores escravocratas e pondo a população negra cativa em liberdade.

As “meizinhas” eram garrafadas de ervas como as de Lázaro. As destinadas à conspiração escrava tinham como objetivo amansar os brancos, para que não tivessem reação ao ataque dos negros. Eram feitas por um curandeiro, mestre em ervas. Neste ponto, vemos inserida em ambos os fatos históricos uma cultura popular que não foi totalmente apagada pelo aculturamento imposto pelos escravocratas brancos e cristãos. Essa cultura ganha forma de resistência e resiste, atualmente, ao preconceito e à ignorância daqueles que ainda se dizem contrários a tudo aquilo que está além de sua compreensão.

Também é necessário observar que, em 1925, é possível encontrar publicações no mesmo jornal em que são feitas propagandas de cura de reumatismo por preparados, similares às garrafadas, ou sobre como produzir remédios que livravam do sofrimento do parto, ministrado por uma senhora que obteve o ensinamento após promessas feitas à Nossa Senhora do Bom Parto.

Neste sentido, é necessário dizer que, ainda na atualidade, o uso de ervas está presente na cultura brasileira, sendo ingeridas como chás ou utilizadas como remédios. Porém, neste caso, fica a indagação: a denúncia foi feita por que as garrafadas de Lazaro eram um risco à saúde pública ou por que ameaçavam as crenças dos não negros?

Elizabete Carla Guedes
Membro do grupo Historiadores Independentes de Carioba, dedicado à pesquisa história sobre Americana

Historiadores de Carioba

Blog abastecido pelo grupo Historiadores Independentes de Carioba, que se dedica à pesquisa histórica sobre Americana.