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Cotidiano & Existência

A saga do envelhecer

Vivemos numa sociedade que adotou um modelo pernicioso da eterna juventude

Por Gisela Breno

16 de novembro de 2021, às 10h01 • Última atualização em 16 de novembro de 2021, às 10h07

Há em nossa sociedade um modelo pernicioso da eterna juventude que nega, evita ou teme o complexo processo de envelhecimento, visto como sinônimo de doenças, perdas de capacidade, de autonomia, de participação.

Se por uma lado cresce exponencialmente o número de academias que proporcionam o oásis do corpo sarado em meio ao deserto de corpos que perderam o vigor, o brilho, o tônus, se reduz sensivelmente o número daqueles que querem ultrapassar os cem anos, mas acolhem a ideia de envelhecer.

Na ânsia da busca pela juventude perene há em determinados ambientes tamanha profusão de botox que, além de produzir clones, desfiguram a face que a natureza sabiamente levou bilhões de anos para esculpir.

Desfortunadamente enquanto muitos reviram o lixo para conseguir comida, outros se embrenham em dietas que sacrificam a vontade de degustar até um inofensivo docinho no desejo desenfreado de conseguir um corpo ditado pelas regras implacáveis de uma sociedade que exalta o ter em detrimento do ser.

Que laboratório é esse que sequestrou nossa capacidade de vivermos à exaustão e com naturalidade a infância, a adolescência, a fase adulta e a velhice?

Por que tornar descartáveis e invisíveis aqueles que percorreram uma existência de lutas, desafios, renúncias muitas vezes por aqueles que hoje são jovens, mas se conseguirem atravessar o túnel da existência velhos também o serão?

Magros, gordos, cabelos brancos ou com coloração, sadios, doentes, portadores de deficiências, enrugados, trôpegos, ágeis, baixos, altos, quietos, falantes, analfabetos, letrados, pobres, por favor nos respeitem e não nos descartem: aceitem como estamos e como somos.

Lutem por políticas públicas que proporcionem condições dignas para aqueles que deram seu suor, seu corpo, seu sangue para o crescimento desse país.

Não se esqueçam que muito pior que ser velho(a) é ser velho(a) pobre, preto(a) ou indígena. Eu lhes suplico, não nos silenciem, não nos tornem invisíveis, não cometam eutanásia com quem ainda vive e quer desfrutar da velhice tão somente com dignidade e em paz.

Gisela Breno

Professora, Gisela Breno é graduada em Biologia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e fez mestrado em Educação no Unisal (Centro Universitário Salesiano de São Paulo). A professora lecionou por pelo menos 30 anos.