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Alessandra Olivato

A responsabilidade do ofício

Todos nós exercemos influências uns sobre os outros apenas por existirmos, mas algumas pessoas têm uma maior possibilidade de exercer essa influência

Por Alessandra Olivato

10 de novembro de 2021, às 07h23

Em artigo muito pertinente publicado no site desse periódico no último dia 28 de outubro, o leitor Humberto Pinho da Silva fala sobre a enorme responsabilidade de quem escreve, e eu complemento: de quem escreve, de quem fala, de quem se comunica, de quem ensina.

Todos nós exercemos influências uns sobre os outros apenas por existirmos, mas algumas pessoas têm uma maior possibilidade de exercer essa influência. Pessoas famosas, pessoas em evidência temporária, políticos, diretores de empresas etc. Quantos de nós já não mudamos de ideia ou de sentimento sobre algo porque lemos uma frase impactante de alguém conhecido ou depois de assistirmos a uma entrevista eloquente? Assim como o marketing pode revestir de grandiosidade ideias estapafúrdias – o que é não é incomum, a retórica tem um poder muito grande. Basta ver os políticos eleições após eleições: palavras cuidadosamente escolhidas, a fala articulada, argumentos rebuscados dando a tudo o que falam um ar de credibilidade. Muitos ainda são encantados por seu palavreado pomposo, mas, felizmente, cada vez menos.

Ao transcorrer sobre a responsabilidade de quem escreve, o leitor Humberto refere-se às consequências de gerações de intelectuais defendendo suas ideologias, doutrinas e teorias. Veja: não se trata de destituir de relevância a obra de centenas de intelectuais que servem à sociedade com o fruto de seu conhecimento, dedicação, pesquisa, criatividade, invenções e descobertas fundamentais, seja em conforto material seja em autoconhecimento. Trata-se apenas de mencionar o fato de que mesmo o conhecimento também sofre influências várias além de, antes de tudo, estar em constante mudança, assim como jornalistas, cientistas e Intelectuais estarem em constante processo de aprendizado.

Lembro-me que fiquei anos remoendo o que eu considerei um terrível equívoco no início de minha carreira como professora universitária, aos 32 anos de idade. Embora sempre preocupada em ser o mais justa e imparcial possível em tudo o que falo ou escrevo, àquela época, recém-saída da vida acadêmica e ainda jovem para entender algumas coisas, o tom de defesa das ideias marxistas e da reafirmação da exploração do homem pelo homem por meio do trabalho escapava um pouco. Não havia ainda vivido o suficiente para perceber o quanto o mundo do trabalho mudou apesar das imperfeições e problemas, o quanto a maioria das pessoas sente dignidade em trabalhar, não percebia ainda que nem todos nascem para serem empreendedores ou patrões e de que a exploração do homem pelo homem é praticamente um dado da vida humana e não algo restrito ao mundo do trabalho e que esse, por sua vez, dá enorme legitimidade aos costumes e instituições sociais, o que é de importância irrefutável. Não deixei de considerar Marx um gênio da análise social, entretanto, para mim, sua obra grandiosa não explica mais o mundo.

Até mesmo a ideia de que para não sermos ignorantes não podemos acreditar em tudo o que ouvimos e deveríamos ler mais pode ser relativizada, ainda que na maioria das vezes, a tarefa de se escrever um livro ou mesmo um artigo exige um cuidado bem maior do que o que dizemos espontaneamente e sem refletir. Mas, fato é que livros são escritos por seres humanos que tiveram dias ruins, enganos, por vezes se basearam em informações erradas, além de fatores como pressão de editora ou da academia, cobranças externas variadas e, não menos, a vaidade que atenta o ser humano em todas as suas ações. Assim, quem também concorda com tudo o que lê porque está num livro ou num jornal ou com tudo o que é dito por um engravatado em um cenário chic da TV também corre um risco de se enganar. Não que quem fale na TV esteja sendo leviano, de forma alguma, mas a questão é que talvez amanhã ele mude de ideia. Nesse sentido, admito que escrever hoje proporciona um prazer bem maior do que quando eu tinha trinta anos, porque sem dúvida a assertividade evoluiu com a experiência.

Inclusive porque, particularmente, o objetivo é ser compreendida. Não há nada pior para um escritor que não compreendam o que escreveu, assim como não há nada pior para um professor que ninguém entenda sua aula. Por que não se trata de concordarem ou não – a maturidade destitui alguns de nós dessa vaidade inútil , e sim que você consiga estabelecer um diálogo e uma comunicação clara tanto com aquele que se afina com suas ideias como aquele que pensa diferente. Esse é o objetivo!

Claro, há que se dizer que essa comunicação não depende apenas de quem comunica, mas também de quem recebe. Muitos não sabem ler de verdade, nem ouvir. Não ler direito é não entender a mensagem de um texto. É ler um livro e não conseguir identificar qual é o tema, quais são os principais argumentos, a linha de raciocínio e a conclusão. Muito menos a intenção do autor. Parece mentira, mas muita gente não tem essa capacidade por dois motivos principais: terem lido muito pouco e, interessantemente, serem geralmente muito parciais em tudo. Quem tende a defender sempre sua própria ideia, de sua família, de sua corporação ou de qualquer outro grupo que lhe seja particular apenas por um simples sentimento de defesa tem pouca capacidade de ler – porque também tem pouca capacidade de ouvir. A partir daí surgem então as inúmeras análises e julgamentos equivocados. Para concordar ou discordar de algo é preciso primeiro entender o que o outro diz, o que o outro escreve, o que o professor ensina.

Já para o que escreve cabe a enorme responsabilidade sobre a mensagem que quer transmitir, a forma como o fará e também o contexto, a conveniência. Assumir essa responsabilidade é um sinal mínimo de respeito com o próximo.

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.