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Alessandra Olivato

A máquina do mundo

Estou ainda preenchida por essa esperança que se acendeu quando abracei minha família e meus amigos na virada do ano

Por Alessandra Olivato

05 de janeiro de 2022, às 09h04 • Última atualização em 05 de janeiro de 2022, às 09h05

Entra ano e sai ano e a maioria de nós comemora de alguma forma o ano-novo que certamente não apenas para mim guarda certo tipo de mistério. Porque o fato é que entre os momentos de alegria, descontração e de batalhas que vencemos no ano, na maior parte do tempo a gente passa os 365 dias se lascando. É correria, doença, mal-estar, estresse, cirurgia inesperada, contas e mais contas infinitas, dissabores no trabalho, problemas com os filhos, decepção amorosa, cansaço, a famigerada rotina, carro que quebra, gente falsa, gente que puxa o tapete, sofrimento alheio, o bichinho de estimação que nos deixa… Vixi, a gente não tem um dia de descanso! E assim invariavelmente terminamos o ano com umas rugas e cabelos brancos a mais. E esse cenário não é tão diferente para pobres e ricos, adultos ou jovens como se poderia pensar. Todo mundo tem seu apuro.

Por esse motivo ou por dissabores passados, há um razoável número de pessoas que não dá a mínima para as comemorações de ano-novo. Às vezes também por um simples – e de direito – temperamento antissocial. Por outro lado, muita gente que passa mesmo sozinho no seu cantinho doméstico abre um sorriso, faz uma oração, toma algo e sente algo que remete ao mistério citado.

Talvez uma das palavras que mais se aproxima desse mistério que acredita haver seja “esperança”. Não importa o quanto nos lascamos enquanto a Terra dava sua última volta em torno do sol, nos últimos dias desse ciclo e talvez principalmente em seus momentos finais, antes de termos aquele estranhamento esquisito de que algo novo começou embora pareça tudo continuar igual, sentimos também algo como uma alegria ingênua que não dá muito pra nomear. Ainda que em no último minuto segundo nosso íntimo ainda nos force a lembrar dos perrengues passados, atravessa-nos não apenas uma gratidão mas também um desejo de renovação, uma motivação, um estímulo, uma bobice de alegria e entusiasmo, mesmo sabendo que os novos micos por quais iremos passar estão ali já nos esperando.

Por que isso ocorre? Porque diante de tanto sofrimento que vemos, dos sapos que engolimos e dos leões que enfrentamos dia após dia, nos permitimos sentir o coração aquecido de uma maneira diferente, uma luz acendendo dentro do peito, uma esperança de que sim, algo de bom acontecerá, as coisas vão melhorar, esse ano será diferente, estou motivado, energizado, “vamos que vamos”, “ninguém me seguraaaaaa”!!!

Esperança? Fé? A “chama que não tem pavio?” Mas se sim, de onde ela vem? Por que ela se mantém acesa? A outra passagem de um poema já citado por mim talvez dê alguma dica:

“(…) e tudo o que define o ser terrestre

Ou se prolonga até nos animais

E chega às plantas para se embeber

(…)

E o absurdo original e seus enigmas,

Suas verdades altas mais que tantos

Monumentos erguidos à verdade?”

Só sei que a vida é um mistério. Nos decepcionamos, temos o coração partido, perdemos o emprego, pessoas, saímos dos lugares que amamos, somam-se os sonhos não realizados… Muitas vezes cansamos, ficamos ali meio perdidos no meio do vai-e-vem diário, há dias de pura melancolia, outros de uma nostalgia indisfarçável, outros em que simplesmente gostaríamos de apertar um botão e sumir. Mas eis que chega outro ano-novo e nos pegamos rabiscando um papel em branco com as nossas “metas de ano-novo”, fazendo a simpatia da romã, da folha de louro e não sei mais o quê, pulando sete ondas, vestindo branco, amarelo, peça nova de roupa, certos de que tudo isso ajudará a nos guiarmos rumo a uma vitória retumbante, “agora vai!”

Errado não tá. Vencemos inúmeras batalhas ao longo de 365 dias, não acham? Pra começar e que não é pouco, nossos dilemas internos. Com exceção dos mais esquisitos, a grande maioria passa anos após ano tentando ser uma pessoa melhor.

Estou ainda preenchida por essa esperança que se acendeu quando abracei minha família e meus amigos na virada do ano. Estou ainda com um leve sorriso no rosto, apesar da rotina já ter dado aquele “opa!”. E se tem algo que eu desejo é que todos possam, de tempos em tempos e não importa o que seja, reacender a chama, reavivar a esperança, sonhar. Um ano-novo recheado de boas motivações a todos!

Alessandra Olivato

Mestre em Sociologia, Alessandra Olivato aborda filosofias do cotidiano a partir de temas como política, gênero, espiritualidade, eventos da cidade e do País.