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Santa Bárbara

Marco na cultura, prédio do Cine Theatro Santa Rosa é tombado

Ponto de encontro da população barbarense por décadas, prédio do antigo cinema de rua agora é patrimônio da cidade

Por Danilo Reenlsober

08 de dezembro de 2019, às 08h50 • Última atualização em 09 de dezembro de 2019, às 10h18

Foto: Cedoc_Fundação Romi
Inspirado no movimento art déco, o prédio do Cine Santa Rosa chamava atenção de quem passava pela Rua XV de Novembro; ele foi projetado pelo construtor José Medina e construído por José Benith Júnior

A cidade de Santa Bárbara d’Oeste sempre esteve relacionada à sua produção açucareira e a forte indústria metalúrgica, mas houve uma época em que ela era reconhecida por possuir um dos cinemas de rua mais modernos e bonitos do interior paulista. O Cine Theatro Santa Rosa, inaugurado em 12 de fevereiro de 1939 e localizado na rua XV de Novembro, era o ponto de encontro da população barbarense, além de receber artistas, políticos e personalidades da época.

Construído pelo empresário Alfredo Maluf e sua esposa Rosa Narche Maluf, o Cine Santa Rosa logo de cara chamava atenção pelo seu estilo arquitetônico. Inspirado na art déco, estilo artístico que surgiu na Europa no começo do século XX e que na arquitetura era caracterizado pelo uso de formas geométricas e estilizadas, o cinema foi projetado pelo construtor José Medina e possuía uma fachada imponente, diferente de todos os imóveis existentes na cidade até então.

“Para uma cidade do tamanho de Santa Bárbara d’Oeste na época, aquilo era um absurdo”, relembrou o professor de História Marcelo Salomão, sobrinho de Rosa Maluf. Nas décadas de 1930 e 1940, a população urbana de Santa Bárbara d’Oeste era de aproximadamente duas mil pessoas, já que a maioria das famílias vivia nas áreas rurais.

Se do lado de fora o Cine Santa Rosa chamava atenção, por dentro era onde a magia realmente acontecia. Com capacidade para mais de 600 pessoas, o cinema era o mais moderno da cidade – e um dos mais tecnológicos do interior do Estado. Enquanto outros cinemas menores projetavam apenas filmes em 16 mm, o Santa Rosa foi o primeiro a realizar projeções em 35 mm, uma novidade para a época.

Em 1977, ele passou por uma reforma completa devido ao estado em que se encontrava sua estrutura e para a instalação de novos equipamentos. Nesse ano, o cinema ganhou até mesmo um sistema de ar-condicionado. “As peças e equipamentos mais modernos da época eram trazidos de São Paulo para o Santa Rosa”, apontou Salomão.

Foto: Cedoc_Fundação Romi
O Cine Theatro Santa Rosa não realizava apenas exibições de filmes: ela palco de diversos eventos, como a formatura da primeira turma de alunos do Ginásio Estadual Santa Bárbara

O prédio, no entanto, não era conhecido apenas por apresentar um cinema de qualidade. Como o próprio nome diz, o Cine Theatro Santa Rosa recebia além de filmes, apresentações teatrais, musicais e diversos outros eventos. “Lá aconteciam formaturas e diversas solenidades. Até então, a cidade não tinha nenhum espaço para eventos que não fosse religioso. O primeiro anfiteatro surgiu na década de 1980, o primeiro teatro surgiu apenas em 1990. Então, antes disso, todos os grandes eventos eram realizados no Santa Rosa”, explicou o professor.

Alguns desses eventos marcaram a história do Santa Rosa. Em 5 de agosto de 1945, por exemplo, o cinema foi palco de uma homenagem aos dois soldados barbarenses que participaram da Segunda Guerra Mundial, Adolfo Carneiro Neto e Virgínio Matarazzo. Já em 3 de janeiro de 1951, foi realizada a cerimônia de formatura da primeira turma de alunos do Ginásio Estadual Santa Bárbara. O evento contou com a presença do governador do Estado de São Paulo, Lucas Nogueira Garcez, paraninfo da turma, e do bispo Dom Ernesto de Paula.

Ponto de encontro

Desde a sua inauguração, em 1939, até as décadas de 1970 e 1980, o Cine Theatro Santa Rosa era o principal ponto de encontro da juventude e dos cinéfilos barbarenses. “O povo se encontrava no cinema, era o principal ponto de encontro e a diversão da população”, recordou Antônio Carlos Angolini, historiador barbarense e frequentador do cinema por mais de 30 anos. “Eu saia de Tupi, onde eu morava, de trem e ia até Santa Bárbara para assistir as matinês aos domingos”, completou.

Segundo Angolini, as sessões eram sempre muito procuradas e o Cine Santa Rosa chegou a exibir grandes clássicos do cinema mundial, como Ben-Hur, lançado em 1959 e dirigido por William Wyler. Mas os maiores sucessos de bilheteria eram as produções nacionais e de um caipira em específico. “O Santa Rosa lotava de fato quando algum filme do Mazzaroppi era exibido. As filas eram imensas, viravam o quarteirão. Esse era o ‘blockbuster’ da época”.

Foto: Cedoc_Fundação Romi
Grandioso por fora e por dentro, o cinema barbarense tinha capacidade para receber mais de 600 pessoas por sessão

O historiador também relembrou algumas apresentações que marcaram a história do Cine Santa Rosa. Uma das principais, segundo o barbarense, foi o show realizado pelo “Rei” Roberto Carlos no palco do Cine Theatro. “Ele cantou na cidade antes de estourar em todo o Brasil, quando ainda não era tão famoso e antes de fazer sucesso com a Jovem Guarda”. O Santa Rosa também recebeu uma apresentação da Rádio Record de São Paulo, no dia 14 de novembro de 1952, com vários artistas de renome da época.

Uma das histórias mais famosas, no entanto, aconteceu no dia 19 de abril de 1982, quando o filme nacional Asa Branca: Um Sonho Brasileiro foi exibido em uma sessão especial para cerca de 400 pessoas no cinema barbarense. A estreia foi realizada no Cine Santa Rosa pois parte das filmagens foram realizadas na cidade. Atores e outras pessoas envolvidas na produção do longa estiveram na sessão especial, assim como o prefeito da época, Isaías Hermínio Romano, e diversas personalidades políticas.

“Foi um dia de muito glamour”, comentou Angolini, que também esteve presente na exibição do longa, dirigido por Djalma Limongi Batista e que trazia no elenco nomes como Edson Celulari, Eva Wilma e Walmor Chagas. “Entre os convidados, estavam o prefeito Romano, além do promotor e do juiz de direito da época, todos evangélicos. O filme ainda não tinha uma censura estabelecida e contava com algumas cenas de nudez e sexo, que acabaram irritando e incomodando muitos presentes”, lembrou. Muitas pessoas chegaram a deixar o cinema após essas cenas.

Foto: Cedoc_Fundação Romi
No dia 14 de novembro de 1952, o Cine Santa Rosa recebeu um show especial da Rádio Record de São Paulo, com a presença de diversos artistas

Importância e fim

É difícil definir o que levou ao fim de algo tão importante. Salomão reforçou que em meados da década de 1980 e começo de 1990, o momento cultural brasileiro contribuiu não apenas para o fim do Santa Rosa, como também de todos os cinemas de rua do País. “Não foi apenas ele. Aconteceu o mesmo em outros cinemas do interior, como o Cacique, em Americana, e o Vitória, em Limeira. No Brasil, os cinemas foram ‘transferidos’ para os shoppings e praticamente todos os cinemas de rua fecharam as portas”.

Depois de fechar as portas, o prédio do antigo Cine Theatro Santa Rosa foi alugado e usado por uma igreja por anos. Recentemente, o imóvel foi tombado como patrimônio cultural, histórico, arquitetônico e afetivo pelo prefeito Denis Andia (PV), a pedido do Codepasbo (Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Cultural de Santa Bárbara d’Oeste).

Devido a todos esses detalhes e histórias, o Cine Theatro Santa Rosa foi não só o cinema mais importante da cidade, como um marco para a cultura barbarense. “Foi muito bom enquanto durou, aproveitei bastante, mas às vezes ainda bate uma saudade”, confessou Angolini. “O Santa Rosa não foi o primeiro cinema da cidade, houve outros antes dele, como o Cine Íris, mas ele, com certeza, era o mais moderno e grandioso”, apontou Salomão.

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