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Quarentena na periferia

Ocupações sobrevivem com doações e decisões coletivas na crise da Covid-19

Com estrutura precária, moradores do Acampamento Roseli Nunes e da ocupação Vila Soma se unem para enfrentar as dificuldades provocadas pela pandemia do coronavírus

Por André Rossi

24 de maio de 2020, às 10h56 • Última atualização em 24 de maio de 2020, às 17h06

Cozinha comunitária com distribuição diária de refeições, orientação sobre a necessidade de higienização e de se evitar aglomerações durante a quarentena, além do apoio e assistência para os mais necessitados.

Essas são algumas das ações adotadas pelas comunidades do Acampamento Roseli Nunes, em Americana, e da ocupação Vila Soma, em Sumaré, durante a pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

Decisões coletivas têm pautado o dia a dia na periferia americanense. Segundo a lavradora Wilza Carla Mendes Leme da Silva, de 44 anos, representante do Acampamento Roseli Nunes, uma das primeiras medidas tomadas foi reabrir a cozinha comunitária.

Cozinha comunitária virou alternativa no acampamento Roseli Nunes – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

Todos os alimentos recebidos por doações são centralizados no local. Diariamente, um grupo de voluntárias prepara o café da manhã, almoço e café da tarde para todos os moradores.

“Além das refeições que estão sendo feitas na cozinha, a gente também doa alimentos para os moradores levarem para os seus barracos e fazerem janta com suas famílias”, explicou Wilza.

Uma das voluntárias na cozinha é Maria Francisca Venâncio, de 46 anos. Os ingredientes podem ser limitados, mas sobra criatividade para diversificar o cardápio, especialmente para alegrar as 30 crianças que vivem no local.

“Hoje o café da tarde vai ser bolo e biscoito. Vou bater vitamina e tenho que fazer o suco, que ainda não fiz”, disse Maria ao LIBERAL durante visita da reportagem ao local na tarde da última terça-feira.

Localizado na região do Pós-Represa, o acampamento abriga 120 pessoas, distribuídas em 88 moradias improvisadas com madeira e lona. Se a situação financeira dessas famílias já era difícil, a crise sanitária só agravou o cenário.

Logo nos primeiros dias da quarentena, iniciada no dia 23 de março, o ajudante de pedreiro Alaeuson da Silva Oliveira, de 28 anos, perdeu o emprego. Ele mora no acampamento com a esposa e quatro filhos entre 8 e 14 anos.

Além dos poucos “bicos” que apareceram desde então, o que tem garantido o sustento da família é o auxílio emergencial de R$ 600 do Governo Federal.

“Se não fosse isso daí, parceiro, a gente estava na pior mesmo. Melhorou muito o nosso lado. Desempregados, nós não somos nada. Minha mulher foi fazer faxina, ganhou um trocadinho. Preciso trabalhar para dar de tudo para a minha família”, afirmou Alaeuson.

A maior parte dos moradores está na faixa de renda de “extrema pobreza”, segundo o critério do benefício do Bolsa Família. Alguns deles não conseguiram se cadastrar para o auxílio emergencial e estão sendo ajudados pelos colegas para tentarem resolver a situação.

Além de doações, o acampamento também conta com a ajuda de voluntários para o reforço escolar das crianças, que participam de atividades recreativas. O uso de máscaras é obrigatório para os visitantes, já que os moradores tentam se “isolar” ao máximo para evitar a contaminação.

“Estamos bem isolados mesmo. Quando as pessoas vêm de fora, vêm de máscara. Estamos indo bem menos para a cidade, só em casos de extrema necessidade mesmo. Durante essa situação [pandemia], ninguém precisou ir para hospital, ninguém teve gripe”, contou Wilza.

Sumaré

Com 2.874 famílias cadastradas e quase 12 mil residentes, a Vila Soma teve um caso confirmado do novo coronavírus (Covid-19).

Segundo o coordenador da ocupação, Edson Gordiano da Silva, o Edinho, a paciente é uma mulher de 30 anos, sem comorbidades e que já está recuperada da doença. Ela permaneceu em isolamento domiciliar, sem complicações.

Administração da Vila Soma colocou um barril com água para que a população possa fazer higienização das mãos – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

A ocupação completa oito anos em julho e a área está em processo de regularização fundiária na prefeitura.

Até que a situação seja regularizada, no entanto, a falta de infraestrutura se faz presente. Não há água encanada nem tratamento de esgoto.

Com o risco de contaminação pelo vírus, a coordenação instalou logo no início da quarentena um barril na principal avenida da área para que os moradores tenham onde lavar as mãos.

Cinco caminhões-pipa abastecem diariamente as caixas d’água das construções. Há também distribuição de álcool em gel e máscaras.
“Desde o primeiro dia a coordenação determinou que a gente ia pegar firme nessa situação porque se acontecer de pegar [o vírus], a proliferação pode acontecer muito rápido”, explicou Edinho.

Médicos da atenção básica da prefeitura atendem a comunidade por meio de um módulo de saúde montado na sede da coordenação. Além das consultas de rotina, os profissionais têm visitado moradores que apresentam febre ou outro sintoma da Covid-19.

O impacto econômico também foi sentido pelos comerciantes da ocupação. Luiz Gonçalves da Silva Junior, de 43 anos, conta que o receio de aglomerações afastou os clientes e fez com que ele reduzisse o horário de expediente em sua casa de salgados. Para servir os clientes, os cuidados com higiene foram reforçados.

“Eu peço para usarem álcool em gel, vir com máscara. Está muito perigoso e tem gente que ainda zomba da pandemia, fala que é coisa política. Não é”, alertou Luiz.

Em uma comunidade tão grande, um dos problemas observados é a resistência de alguns moradores a usarem a máscara.

“A parte mais difícil é que tem muitos que ainda não estão aderindo. Chega aqui [na coordenação] e a gente pede para voltar porque não está de máscara”, contou Camila Ferreira Rodrigues, de 32 anos, que trabalha na coordenação da Soma.

O equipamento de proteção é obrigatório para a retirada das marmitas, distribuídas todas as noites. Uma cozinha comunitária foi montada na ocupação e prepara cerca de 500 refeições por dia para os moradores. Cestas básicas também são entregues para as famílias mais necessitadas.

Podcast Além da Capa
Solidariedade e apoio aos necessitados marcam a luta contra o novo coronavírus (Covid-19) nas periferias da RPT (Região do Polo Têxtil). O LIBERAL visitou moradores do acampamento Roseli Nunes e da favela Zincão, em Americana, e da ocupação Vila Soma, em Sumaré, e observou como eles se unem para enfrentar as dificuldades provocadas pela pandemia. Nesse episódio, o editor Bruno Moreira recebe o repórter André Rossi, que esteve nas comunidades, para repercutir essa apuração.

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