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35 anos

Tratadora dos animais conta detalhes da função

Reportagem do LIBERAL acompanha um dia na vida de um tratador do parque

Por Leslie Cia Silveira / Maíra Torres

12 de outubro de 2019, às 07h38 • Última atualização em 12 de outubro de 2019, às 07h43

Foto: Marcelo Rocha - O Liberal
Karen Andreazzi explica que a função do tratador não se resume a limpeza e alimentação

Os animais do Parque Ecológico de Americana estão em constante vigilância e observação. Além dos olhares sempre atentos dos visitantes, os tratadores se mantêm vigilantes para garantir o bem-estar de cada espécie, tanto em relação às condições do recinto quanto à alimentação.

É responsabilidade desses profissionais ofertar o alimento adequado à cada animal, nos horários certos e na quantidade recomendada pelos biólogos.

Atenção à limpeza dos recintos, aos objetos e elementos que fazem parte do enriquecimento estrutural dos espaços, além de qualquer comportamento estranho dos bichos, também estão entre as suas funções.

Eles são os primeiros a perceber mudanças comportamentais que devem ser relatadas aos veterinários e biólogos.

A reportagem do LIBERAL acompanhou um dia na rotina de um dos tratadores do parque para entender como tudo funciona nos bastidores.

Respeito, carinho, atenção e dedicação são palavras que descrevem o trabalho desse profissional. “Um tratador tem que observar o tempo todo, tem que estar atento mais do que qualquer outra coisa”, resume Karen Andreazzi, tratadora há quase seis anos no zoológico de Americana.

Em relação ao cardápio, cada animal é alimentado de acordo com um menu especial preparado pelos biólogos. Na cozinha do parque, que chama a atenção pela limpeza, as informações sobre o menu estão escritas em pastas individuais.

O tratador recebe orientações sobre o que preparar, qual a quantidade correta e a variação do cardápio no decorrer da semana.

Foto: Marcelo Rocha - O Liberal
Rotina na cozinha inicia às 6h com a preparação do cardápio específico para cada espécie

Bem cedo. Para cumprir todas as tarefas, a rotina do tratador começa, na cozinha, às 6h e segue até as 15h. Nesse período desempenha várias funções, como descascar legumes, cortar frutas, lavar verduras, cozinhar ovos, cortar carnes e preparar e pesar cada prato.

Durante as 9 horas de atividades dentro da cozinha, nas quais os tratadores se revezam, cada funcionário prepara as refeições para determinadas espécies, que se alimentam em horários diferentes. Os alimentos são colocados em bandejas que são levadas aos recintos em carriolas para que os “banquetes” sejam servidos.

A tratadora Karen conta que os primeiros a comer são os mangustos, às 9h. A dieta envolve frutas, proteínas e legumes. Mas quem disse que eles adoram frutas?

Com exceção de um dos sete mamíferos, os outros são mesmo apaixonados pelas proteínas, como fígado, carne moída, pescoço de frango e, às vezes, tenébrios (larvas) servidas por Karen com todo o cuidado, como se fossem iguarias.

Ela chega no recinto batendo devagar no recipiente de plástico para avisar ao animal que a comida está na mesa, ou melhor, nos comedouros. E eles vêm, agitados.

Karen explica que algumas espécies precisam comer presas vivas, como ratos ou insetos, criados no biotério. “Quando um animal chega ao zoológico porque foi apreendido, ele só sabe caçar. Se der um pedaço de carne, ele não come, não está acostumado a isso”, comenta.

Mudanças de hábitos são sinais de alerta

Foto: Marcelo Rocha - O Liberal
No momento de servir a refeição, a tratadora aproveita para verificar as reações do animal

A convivência com os animais capacita os funcionários do Parque Ecológico a interpretar com facilidade as mudanças de comportamento ou hábitos que devem ser observados como um sinal de alerta. A tratadora Karen Andreazzi cita que cada animal tem uma “personalidade” um “jeito de ser”.

“Alguns detalhes podem fazer toda a diferença para o animal, como ser excluído do bando, não estar se alimentando corretamente ou ainda precisar de algum tratamento [de saúde]”, ressalta a tratadora.

Conhecer os hábitos das espécies, segundo ela, é essencial para compreender a dinâmica dos bandos, cujas atitudes acabam denunciando mais que algum sintoma individual.

“Um animal disfarça o máximo possível para não dar sinais de fraqueza, porque na natureza os predadores percebem que ele está fraco e o ataca primeiro. E é da natureza do bando excluir um animal quando ele não está bem, para proteger o resto do grupo”, esclarece Karen.

Outra função do tratador é ficar atento às brigas entre os animais. Os motivos vão desde a disputa por território, pelas fêmeas ou por qualquer outro fator. O animal ferido, diz a tratadora, é levado para a quarentena. No mesmo local são abrigados, em espaços diferentes, animais doentes que apresentem risco para o grupo, recém-nascidos e recém-chegados de outros zoológicos ou de apreensões da polícia ambiental.

Segundo Karen, é um espaço de transição, até que estejam aptos a voltar para os recintos.

Relação de confiança facilita ações do tratador

Foto: Marcelo Roca - O Liberal
Amizade entre o tratador e os animais garante a sintonia necessária entre eles

O relacionamento dentro de cada recinto é monitorado pelos tratadores do zoológico. Eles conseguem identificar quando os animais estão brigados, doentes, apaixonados ou de mau humor. “Já aconteceu de eu entrar no recinto e ver uma arara tentar proteger a outra, de uma colocar comida no bico da outra, ficarem mais próximas, e aí eu sei que elas viraram um casal. É a coisa mais linda”, conta, sorrindo a tratadora Karen Andreazzi.

O próximo passo, segundo ela, é deixar que construam um ninho no recinto, ou, em outros casos, levá-los até à sala de reprodução (são recintos especiais de acordo com cada espécie, para que se sintam à vontade longe do contato humano e possam procriar).

Na prática, as semelhanças e a sintonia entre os humanos e os animais são visíveis quando se acompanha a rotina do tratador. Karen destaca que é perceptível os dias em que os bichos acordam mal-humorados, assim como eles, aparentemente, percebem os dias em que ela também não está bem. “Quando perdi minha avó eu fiquei vários dias muito ruim, e eu cuidava das araras, e elas são muito barulhentas. Quando eu entrava no recinto elas ficavam quietinhas, parece que tentavam não me dar tanto trabalho, estavam mais fáceis de lidar”, revela.

Mesmo que os tratadores mudem de setor e troquem a “lista de animais” que cuidam, esses sentimentos entre quem cuida e quem é cuidado acontecem com a aproximação, em maior e menor nível. “Eu tenho os meus preferidos, como a Regininha (ouriço-caixeiro), a Jujubinha (ararajuba), o casal de antas e o Lulinha (hipopótamo). Mas, eu me apego a todos, fico triste quando tem o rodízio, eu digo que eles são meus bebês, eu dou mimo, eu converso, eu sou como uma mãe, porque se eles tiverem doentes ou mal, sou eu quem tenho que perceber”, detalha a tratadora, lembrando das ocasiões em que sua percepção colaborou para o bem-estar dos animais.

Recintos exigem uma manutenção detalhada

Foto: Marcelo Rocha - O Liberal
Limpeza não é apenas remover a sujeira, mas estar atento, por exemplo, aos buracos que oferecem riscos

O trabalho de limpeza e manutenção dos recintos é minucioso. “Tem que olhar bem e conferir cada canto, se não tem buracos no recinto por onde o animal possa escapar, porque alguns cavam com frequência, e também se o lugar está limpo e com água boa”, descreve a tratadora Karen.

Sobre o setor da quarentena, no qual ela atuou por quase dois anos, Karen afirma que nessa área os cuidados são ainda maiores. “Exige muito mais do tratador. A limpeza é constante, dependendo do recinto duas ou três vezes ao dia e a limpeza dos coxos de água e comida têm que ser feita com produtos específicos. Fora o emocional, por que alguns animais de apreensão chegam em péssimas condições, assustados, maltratados, isso dificulta”, observa.

Para a tratadora, não existe um recinto mais difícil de ser limpo, por que todos requerem cuidados especiais. Os micários, por serem de vidro, requerem limpeza por dentro e por fora. A área dos felinos é enorme, com portas pesadas, então exige mais esforço físico. O do hipopótamo tem um lago de 3 metros, que necessita ser limpo com um esfregão pesado. O das aves é pequeno, mas elas o sujam rápido, então precisa ser limpo mais vezes.

Depois de já ter cuidado de todos os animais do parque, Karen também não consegue escolher o mais difícil ou perigoso. A orientação, conta a tratadora, é evitar o contato direto com grandes felinos e cobras. Para limpar e alimentar os recintos das espécies que oferecem algum tipo de risco aos tratadores, elas são presas em um espaço denominado de cambeamento, acoplado ao recinto, enquanto o tratador realiza os serviços necessários.

* Estagiária Maíra Torres, sob supervisão de Leslie cia Silveira

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