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VCA 141, DEZ ANOS

‘Todo dia é um recomeço’, contam familiares de vítimas

Familiares de vítimas de tragédia na relatam luta para superar perdas e cicatrizes deixadas pelo acidente de 2010

Por Leonardo Oliveira

08 de setembro de 2020, às 08h00 • Última atualização em 09 de dezembro de 2020, às 16h59

As feridas deixadas pelo acidente na linha férrea no centro de Americana que matou dez pessoas e deixou 18 feridos, há exatos 10 anos, ainda não cicatrizaram. Vítimas tiveram suas trajetórias de vida interrompidas bruscamente, provocando perdas que deixaram um rastro de destruição psicológica e financeira para os familiares.

Apuração do LIBERAL encontrou familiares de todas as vítimas fatais da tragédia, que aceitaram relatar as lembranças e os impactos do episódio. Uma delas foi a aposentada Marinez Amadeu Avanzi, de 63 anos.

Marinez perdeu o marido Juvercino no acidente do VCA 141 – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

Ela era casada com Juvercino Avanzi, cobrador da VCA, que pegava carona para voltar para casa no ônibus da linha 141 que foi atingido pelo trem da antiga ALL (América Latina Logística), hoje, Rumo.

“Todo dia é um recomeço”, diz ela. Marinez viveu ainda uma segunda tragédia após o acidente da linha-férrea.

Em 2016, o filho mais novo do casal, Gabriel Avanzi, de 19 anos, foi morto em um roubo na noite de réveillon, na Avenida Brasil, em outro episódio de repercussão na região.

“Todos os dias você vai deitar, você levanta, vai fazer uma comida e lembra de um, lembra do outro”, conta. Nesse período, ela diz ter se apegado à fé em Deus e passado por tratamento psicológico para ajudar a superar as tragédias.

Após a morte do marido, Marinez havia se apegado ao filho Gabriel para lidar com a perda. “Parece que tudo era o fim. Ele era o meu tudo. Tinha mais ou menos a natureza do pai dele”, lamentou.

A aposentada relata que, por conta dessas duas tragédias, precisou fazer acompanhamento psicológico, deixou de trabalhar por um ano e até hoje toma medicamentos para lidar com a depressão. Atualmente, ela diz estar bem e focada nos filhos e netos que ficaram.

Onivaldo e o filho Gabriel, que perderam Luzia no acidente – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

Lembranças

O comerciante Onivaldo Manoel dos Santos perdeu a esposa Luzia Pereira da Silva dos Santos na colisão.

A mulher era assistente social da Prefeitura de Americana e retornava após uma ida a Cafelândia, onde acompanhou quatro idosos que foram até a cidade para buscar aparelhos auditivos.

Luzia morreu com 42 anos e deixou um filho de três. Hoje com 13 anos, o menino necessita de idas periódicas ao psicólogo para lidar com a morte da mãe, segundo o pai.

“Até hoje ele tem um medo de me perder. Ele é tão apegado comigo que não vai passear para lugar nenhum sem eu estar junto”, contou Onivaldo.

Além de assumir a responsabilidade de criar o filho sozinho, o comerciante ainda teve dificuldades para engatar uma nova relação amorosa.

“Uma pessoa igual àquela eu não vou achar de jeito nenhum. A vontade de vencer a vida, trabalhar do jeito que ela trabalhava. Parecia que a mulher era de aço”, lembra.

Mesmo depois de dez anos, a autônoma Roseneide Golim Corrêa não consegue contar as lágrimas ao lembrar de seu pai, Benedito Golim, que morreu com 74 anos no acidente.

O homem, que também esteve na viagem a Cafelândia, cuidava da esposa, que não conseguia andar, nem enxergar.

As limitações, entretanto, não impediram a esposa de Benedito de ir ao velório, de cadeira de rodas, para um último adeus.

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“O que mais me doeu é que o caixão estava lacrado e ela, sem poder enxergar, passava a mão no vidro do caixão, se despedindo dele. Nunca mais vou me esquecer dessa cena”, contou Roseneide. Cerca de sete meses depois, a esposa também faleceu.

Já Maria Rosa da Silva lutou por sua vida durante três meses. Ela sobreviveu ao acidente, ficou um mês internada e depois passou a se recuperar em casa, só que não resistiu aos ferimentos e morreu aos 76 anos de idade.

“Sofria muito, mas quieta”, disse a filha, a auxiliar de fiação Célia de Almeida.

Célia e a mãe Maria Rosa, outra vítima da tragédia em Americana – Foto: Marcelo Rocha / O Liberal

Para Alfredo Wolff, de 64 anos, o tempo ameniza a dor, mas não tira da cabeça as memórias daquele dia. Ele perdeu o pai, Osvaldo Wolff, e a mãe, Aliena Leite Wolf, no acidente.

O casal completaria 56 anos de casamento no dia seguinte à tragédia. “A gente fica paralisado. Não tem como”, disse Alfredo.

Coincidências

Algumas coincidências também marcaram o trágico episódio. Outra vítima, a aposentada Neusa Tavares da Silva, voltava de um culto e estava no carro do pastor de igreja.

Ela só entrou no ônibus 141 porque viu uma amiga no ponto e decidiu fazer companhia.

A dona de casa Pureza de Jesus Pagani também havia ido a Cafelândia com o grupo da prefeitura.

A viagem, entretanto, teria a companhia do marido se ele não tivesse marcado uma viagem na semana anterior.

O retorno à cidade ocorreu somente no dia do acidente, segundo o filho do casal, o estoquista Marco Cesar Pagani.

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