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ESPECIAL

Série especial: investigação de golpes digitais encontra obstáculos na burocracia

Delegados ouvidos pelo LIBERAL citam entraves para se chegar aos criminosos cibernéticos; leia a segunda reportagem da série especial sobre golpes digitais

Por Leonardo Oliveira

22 de abril de 2021, às 07h36 • Última atualização em 24 de abril de 2021, às 18h25

O ambiente virtual ainda é uma “terra nova” para as forças policias, responsáveis pela investigação e repressão também dos crimes cometidos na internet.

A burocracia envolvida nas tentativas de se achar os criminosos foi apontada por fontes ouvidas pelo LIBERAL, nesta segunda reportagem da série sobre como funcionam golpes digitais (veja a programação e as reportagens publicadas abaixo), como um dos grandes desafios para as autoridades.

Em Americana, a DIG (Delegacia de Investigações Gerais) tem assumido a investigação da maioria desses casos que envolvem estelionatos cuja autoria segue indefinida.

Em janeiro, a corporação conseguiu identificar um novo tipo de golpe e até fez com que o Detran-SP (Departamento Estadual de Trânsito) mudasse a sua forma de disponibilizar informações sobre veículos.

No site do órgão, criminosos se aproveitavam de uma falha para ter acesso a fotos do dia da vistoria de um automóvel que havia sido furtado. Com essa imagem, eles entravam em contato com o proprietário, dizendo que estavam com o veículo e que queriam um valor para o resgate.

As vítimas, por não terem seguro, ficavam desesperadas e pagavam entre R$ 2 mil e R$ 5 mil para conseguirem o carro de volta. Na verdade, os estelionatários não estavam de posse do bem e aplicavam um golpe, ficando com o dinheiro, transferido digitalmente.

Nesse caso, a DIG de Americana teve sucesso e fez com que a forma de exibição dos dados do Detran-SP fosse alterada. Isso porque uma das vítimas procurou a polícia antes de transferir o dinheiro.

Quando a comunicação é feita depois que a pessoa caiu no golpe, a investigação se torna muito difícil, afirma ao LIBERAL o delegado José Donizeti de Melo, responsável pela delegacia especializada de Americana.

“Crimes cometidos com uso da tecnologia são difíceis de serem investigados. Eles [estelionatários] surgem de imediato com uma conta, um site ou um telefone, e, da mesma forma que surgem, desaparecem, apagam rastros”, pontua.

Mesmo que o usuário tenha em mãos dados da conta bancária e o telefone que o criminoso utilizou no golpe, há o desafio de se conseguir uma autorização judicial para a quebra do sigilo bancário e telefônico.

O delegado da DIG de Americana José Donizete de Melo – Foto: Marcelo Rocha/O Liberal

Até que a Justiça permita, não é possível dar andamento ao rastreamento. Quando a autorização é dada, geralmente os estelionatários já conseguiram movimentar o dinheiro de uma forma que dificulta alcançar o culpado.

“Esse período, entre o cometimento do crime e o começo da investigação, é que a gente enfrenta a dificuldade. Quando se começa a investigar efetivamente, se quebra sigilo bancário, sigilo telefônico, demanda um período em que os rastros já foram apagados”, acrescenta Donizeti.

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O delegado José Carlos Fernandes, hoje do 4° DP (Distrito Policial) de Campinas, comandou a Operação Invoice, que identificou, no ano passado, 13 pessoas acusadas de fazerem parte de uma quadrilha que tinha uma maneira “sofisticada” de aplicar golpes online. Segundo denúncia do Ministério Público, o grupo tinha uma extensa divisão de tarefas entre seus participantes.

Operação Invoice cumpre mandados de prisão – Foto: Divulgação / Polícia Civil

Havia quem fosse especializado em conseguir dados de cartões de créditos das vítimas. Outros, negociavam esses dados em grupos de WhatsApp, enquanto os demais se alternavam entre a lavagem do dinheiro conseguido com os crimes e o desvio de produtos que eram comprados nos cartões das vítimas.

O sucesso da operação foi resultado da prisão do líder da quadrilha, um morador de Sumaré. A partir da apreensão do celular dele, os agentes conseguiram mapear as conversas com os demais integrantes.

Para o delegado, o que mais atrapalha em investigações do tipo, porém, é a ausência de mecanismos legais para bloquear rapidamente o dinheiro depositado pelas pessoas enganadas.

“As próprias instituições bancárias não dispõem de um serviço de atendimento à polícia, de modo a agilizar os trabalhos de investigação e recuperar o dinheiro subtraído da vítima, o que seria muito importante”, cita Fernandes.

Com a demora para viabilizar esse bloqueio, o valor acaba sendo perdido. “Da mesma forma encontramos muita dificuldade de obter dados de provedores de internet e operadoras de telefonia, as quais, em alguns casos, relutam em fornecer dados até mesmo requisitados pelo Poder Judiciário”, explica.

Por isso a orientação dos agentes da Polícia Civil é de que, se a pessoa notou algo suspeito nas transações online ou nos contatos feitos pelas redes sociais, que procure as autoridades para tentar identificar o suposto criminoso antes de fazer qualquer depósito.

Em outubro do ano passado, a Polícia Civil do Estado de São Paulo criou a Divisão de Crimes Cibernéticos para lidar justamente com esses casos. Para o especialista em segurança digital Flávio Gonsalves de Oliveira, que é diretor de inovação da 4MOONEY Tecnologia Ltda., empresa de desenvolvimento de conhecimento tecnológico, a composição do quadro policial também acaba sendo um desafio.

“No crime cibernético, você não tem criminosos cibernéticos contribuindo com a polícia, porque a polícia não tem recursos para contar com esse cara. A polícia se esforça, mas a questão é o nível de complexidade”, destaca.

Veja as reportagens da série especial

Engenharia social
Por que as pessoas caem em golpes digitais?

O golpe do intermediário (24 de abril)
Crime é o mais comum praticado na região

Não seja enganado (25 de abril)
Como se proteger da ação de golpistas digitais

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