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Liberal entrevista

Prevenção ao suicídio: ‘pacientes são cada vez mais jovens’, diz psicólogo

Coordenador do Caps infantil de Americana afirma que centro recebe muitas vezes “crianças pequenas, de 12, 13, 16 anos”, que já tentaram o suicídio

Por Valéria Barreira

22 de setembro de 2019, às 10h24

O Caps (Centro de Atenção Psicossocial) é a referência dentro da saúde pública de Americana no tratamento de pessoas com ideação suicida, incluindo os adolescentes que chegam encaminhados por escolas, promotoria, UBS (Unidades Básica de Saúde), Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) ou demanda espontânea.

O coordenador do Caps infantil, o psicólogo Valdir Dusson, que aproveita a campanha Setembro Amarelo (mês dedicado ao combate ao suicídio) para dar palestras e atividades relacionadas ao tema em escolas e entidades do município, diz que o problema é recorrente dentro do centro.

A rotina do local passa pelo atendimento psicológico e psquiátrico – se for o caso – de pacientes jovens que vivem o drama de já terem tentado o suicídio ou terem ideação suicida. O problema é prioritário dentro do Caps infantil, ao lado da violência sexual.

Segundo o psicólogo, os pacientes são cada vez mais jovens. Há casos de crianças na pré-adolescência com comportamento suicida. Entre as meninas, muitas vezes o problema mascara outra situação igualmente grave que é o do abuso sexual.

Foto: Marcelo Rocha - O Liberal.JPG
Segundo o psicólogo, os pacientes são cada vez mais jovens

Existe hoje, dentro da saúde pública de Americana, algum trabalho voltado à prevenção do suicídio?
O que temos são ações pontuais dentro do Setembro Amarelo, mas nem no Brasil existe um programa específico nesse sentido.

O que seriam essas ações pontuais?
São palestras, dinâmicas e debates sobre o tema em escolas e entidades que solicitam. São voltadas geralmente a adolescentes e também a pais. As palestras são informativas e podem não gerar conhecimento. Para que as pessoas tomem posse da informação e façam uso dela, geralmente após as palestras acontecem debates e rodas de conversa.

Nessas ocasiões, qual abordagem você costuma dar ao tema?
O trabalho é dirigido com foco para combater principalmente crenças errôneas e mitos em torno do suicídio. Como exemplo, vou citar uma. Há muita gente acreditando que a pessoa que fala que vai se matar não se mata. É um mito, uma crença errada a respeito, e como essa tem outras tantas. Atualmente, temos muito a automutilação entre adolescentes e tem quem ache que esse é um momento próprio da adolescência, como se fosse uma moda igual usar piercing. Mas não é. Usar piercing é bem diferente de você fazer automutilação e provocar sofrimento para você mesmo.

Dentro do Caps, no seu dia a dia, você vivencia situações de jovens com ideias suicidas ou com comportamento que pode levar ao suicídio?
Sim. Nós temos recebido muitas vezes crianças pequenas, de 12, 13, 16 anos que já tentaram o suicídio e muitas dessas tentativas escondem outros temas muitos importantes. Principalmente nas meninas, percebemos que houve um abuso sexual já há algum tempo ou ainda vem ocorrendo e aparece como pano de fundo. O sintoma pode parecer uma situação depressiva de momento, mas às vezes tem esse histórico e nem mesmo os mais próximos percebem. Nos meninos a tecnologia vem favorecendo de alguma maneira esse quadro. A forma como as pessoas estão se relacionando – muitas vezes só por celular – vem distanciando as pessoas na vida real. Hoje, existe também baixa resistência à frustração e tanto faz menino ou menina. Estatística mais global mostra que as meninas tentam mais vezes, mas os homens se matam mais.

O Caps presta todo o atendimento ou o paciente é encaminhado para outros profissionais da rede de saúde?
Além de psicólogos, o Caps também tem psiquiatras que fazem acompanhamento dos pacientes. Então, existe uma equipe multiprofissional atuando em conjunto. O encaminhamento dado a cada caso depende da gravidade do quadro. Recentemente, encaminhamos uma menina de 13 anos para internação. Até que ela fosse internada, o psiquiatra a via semanalmente. Mas se for o caso, ele poder atender o paciente até mais vezes na semana se for necessário.

Quantas pessoas estão em atendimento no Caps infantil atualmente?
São 260 pessoas no quadro de ativos. Isso significa que algum tipo de tratamento está acontecendo. Atendemos crianças entre 3 e 18 anos incompletos. Mas nos casos de violência sexual, os pacientes podem ser ainda menores.

Existe fila de espera?
Em qualquer lugar que trata a saúde, a fila e espera vão sempre existir. No Caps, há situações que não podem deixar de serem atendidas. Então, priorizamos os casos e mesmo que a equipe já esteja dando seu máximo fazemos o possível para não deixar o paciente sem atendimento. Quando não conseguimos uma vaga de imediato, encaminhamos para alguma atividade terapêutica.

Muitos jovens já chegam ao Caps com ideação suicida?
Não necessariamente. Muitas vezes ele está em depressão e isso com o tempo pode levar à automutilação e à ideação suicida.

Mesmo grave, a depressão passa despercebida pelos pais?
Existe um subdiagnóstico da depressão juvenil. Muitos dos sintomas são tidos por algo próprio da adolescência, como irritação, isolamento, desinteresse pela escola e é aí que mora o perigo. É muito importante que se considere a depressão infantil para evitar que lá na frente haja aumento no número de suicídios.

Então, uma depressão juvenil maltratada lá na frente pode aumentar as estatísticas de suicídio?
Sim. A depressão aparece com nível elevado nas taxas de óbito por suicídio ou tentativas e quando se associa ao álcool essa participação é ainda maior.

Inclusive entre jovens?
Sim. Fizemos uma pesquisa com pacientes do Caps de álcool e outras drogas e descobrimos que quase 100% das pessoas começaram a beber com 12, 13 anos.

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